terça-feira, 29 de agosto de 2017

Braga 0 x 1 FC Porto | Trivelas & Roscas


Há duas coisas que ninguém deve fazer a um domingo à noite. Jantar feijoada e ver o golo de Corona umas 67 vezes. O primeiro porque é pesado, dá azia e não só. O segundo porque obriga um gajo a ficar de pé até de madrugada, a apreciar cada detalhe da refinada arte do mexicano e a pensar na miríade de coisas que este pontapé pode valer no final da temporada. É que a vitória do FC Porto na Pedreira não vale apenas três pontos. Vale a dobragem de um dos cabos mais tormentosos para os dragões nas últimas temporadas e vale mais uma cauterização dos traumas da equipa, que parece cada vez mais reabilitada para jogar fora de portas sem ter ataques de pânico. A vitória foi curta, mas firme, fechando em beleza o primeiro ciclo da época, onde matámos dois borreguitos com ano e meio (Tondela e Braga) e trabalhámos o suficiente para merecer uma viagem sossegada nos dias de pausa que aí vêm.

Meio-campo orgânico: Braga era um teste de fogo ao miolo reinventado por Sérgio Conceição, onde Danilo assume mais protagonismo à frente e Óliver tem amplitude para iniciar a construção mais atrás. Quer isto dizer que, com o novo treinador, Óliver é menos 8 e Danilo é menos 6, sem deixarem necessariamente de desempenhar os seus papéis-base, sobretudo no momento defensivo. Era interessante testar esta nova dinâmica contra uma equipa mais rija no meio-campo e nada melhor do que a virilidade de Fransérgio e Vukcevic - e depois Danilo Silva - para medir a capacidade do novo motor do FC Porto. Danilo arrancou a sua melhor exibição esta temporada. Mostrou a espaços alguma dificuldade em suster o perímetro, devido à inferioridade numérica no centro do terreno, mas rapidamente acertava o passo, nunca dando muita rédea ao Braga para incomodar Casillas. Já Óliver sofreu o bullying habitual de quem sabe que é ali que mora o supercomputador da equipa. Manteve o bom nível, esgotou cedo.

Corona, o Mexican: Há uma tirada do filme Once Upon a Time in Mexico (Era Uma Vez No México em tuguês) de Robert Rodriguez, onde a personagem interpretada por Johnny Depp (Sheldon) pergunta a Danny Trejo (Cucuy) após um trabalho mal feito: "are you a mexican... or a mexican't?". A piadola assenta que nem uma luva ao nosso Tecatito, que ora é rei no relvado ora tem o rei na barriga. O golo de Corona é fantástico e nem vou cometer a heresia de reproduzi-lo em palavras, o vídeo está lá em baixo. A ação do extremo não se resume, porém, a esse lance. Corona deixou a inconsistência longe da Pedreira e esteve sempre muito activo no ataque e solidário a defender. Sobretudo, quando perdia a bola. A saída precoce do jogo deveu-se à permissividade de Xistra para com a pancada dos bracarenses. Mas nos 45' minutos que esteve em campo, Corona foi mexican.

Laterais: As faixas do FC Porto estão bem entregues. Tanto a defender como a atacar. Alex Telles parece mais apurado nos processos defensivos e Ricardo tem tudo para ser um dos principais municiadores do ataque a equipa - embora ainda tenha de corrigir certos aspectos do posicionamento defensivo. No global, foi mais uma vitória que passou - e muito - pelo trabalho de construção e desconstrução dos dois alas do FC Porto.

Marega: Podem dizer o que quiserem dele. Mas o atual Marega encarna aquilo que eu quero ver num jogador do FC Porto. Raça, resiliência e cara feia. Quem não tem pés, joga com sangue. O polvo precisa de inimigos. Este é um prémio cumulativo para o que Marega tem mostrado no arranque do campeonato, contra todas as expectativas. Não é que o maliano tenha feito um jogaço em Braga, mas tem sido mais útil do que empecilho. Isto para um tipo que chegou a ser debochado em tarjas. O monstro também precisa de amigos.


Meio-campo curto: É orgânico, mas é curto. E quem diz o meio-campo, diz outros sectores. Foco-me especificamente neste porque foi aqui que perdemos mais gás no domingo. André André e, sobretudo Herrera, estancaram o jogo mas não lhe acrescentaram valor. Embora cheguem para segurar uma partida, o português e o mexicano parecem-me insuficientes para constituírem uma alternativa eficaz aos titulares. A época é longa e cheia de incidências. Se o FC Porto perder a veia desbloqueadora de Óliver, não encontra igual no plantel. O mesmo serve para Danilo, da perspectiva defensiva. Curiosamente, o jogador que encaixaria melhor neste novo dinamismo do miolo portista era... Rúben Neves. Não é tão cerebral quanto Óliver nem um tampão como Danilo, mas julgo que seria o único com capacidade de elevar a qualidade de jogo da equipa in media res.

Xistrema: Mais uma voltinha, mais um penalty sonegado ao FC Porto. Mas não é por aí. Esta foi também mais um partida onde tudo foi permitido aos de vermelho, que parece ser o filtro predilecto do futebol português. O Braga tinha uma estratégia de intimidação bem montada, de dar porrada até ao osso, que só seria possível com a cumplicidade de Carlos Xistra. E foi. Mas não é por aí. Irritou-me sobretudo o amarelo mostrado a Ricardo Pereira. Fosse igual o critério usado para ambos os lados, o Braga tinha terminado o jogo com mais amarelos do que táxis em Nova Iorque. Há uma espécie de overcompensation dos árbitros esta época, que parecem fazer de propósito para travar o clube que denunciou a podridão da classe apitadora em Portugal. O polvo está vivo. Mas o FC Porto também. Não será por aí.

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sexta-feira, 25 de agosto de 2017

Grupo G: Eyes on the prize


Equilíbrio. É a conclusão lógica e imediata de um primeiro exame ao grupo do FC Porto na Liga dos Campeões.

No grupo G, o FC Porto terá a companhia de Mónaco, Besiktas e do estreante Leipzig, um alinhamento que não é carne nem é peixe para os dragões. À semelhança do que tem acontecido nos últimos anos, o FC Porto vê-se metido numa contenda equilibrada e imprevisível, onde nenhum adversário é impossível mas também não é propriamente acessível.

O tempo da pêra-doce, de resto, vai ficando cada vez mais para trás na eurobola moderna. Vivemos numa era em que o pote 2 é quase tão intimidante quanto o primeiro, o pote 3 soma 21 títulos internacionais e há um campeão europeu no quarto.

A frio, não creio que se possa falar em obrigações para o FC Porto. Sobretudo, dadas as circunstâncias actuais que o envolvem. Por força das regras do fair play financeiro da UEFA, o clube está financeiramente constrangido e limitado a inscrever apenas 22 jogadores na lista A das provas europeias, em vez dos habituais 25 previstos nos regulamentos. O que significa que pode estar uma cefaleia dolorosa no horizonte de Sérgio Conceição.

Além da escolha apertada, o FC Porto terá de lidar com o fantasma de ver os prémios parcialmente congelados, caso não consiga cumprir as medidas operacionais e financeiras acordadas com a UEFA. O que significa que pode estar uma enxaqueca poderosa no horizonte da SAD.

Contudo, há mínimos olímpicos, mesmo para este FC Porto. Em particular, o princípio intrínseco de jogar para ganhar em todos os jogos, um registo que, embora complicado, é perfeitamente possível. Na Liga dos Campeões, o FC Porto não pode pedir muito a si próprio, desportivamente. Mas deve ter os olhos postos nos oitavos e respectivos 6 milhões de euros que vale a passagem à fase seguinte. Além dos 1,5 milhões de euros que encaixa com cada vitória. Se correr dentro do expectável e vencermos, pelo menos, todos os jogos em casa, a coisa pode render perto de 11 milhões. Ou seja, um Adrián López.



AS Monaco: Semi-finalista da edição anterior da Champions, é naturalmente o adversário mais forte do grupo. O maior atestado de competência que se pode carimbar a esta equipa é o título de campeão francês, surpreendentemente resgatado ao PSG, um clube pornograficamente opulento e estadista, que faz a fortuna dos monegascos parecer uma conta-poupança. Muito do mérito do Mónaco deve-se a Leonardo Jardim, um técnico inteligente e doutrinado, que soube acondicionar jogadores de gama média numa equipa topo de gama. Jardim também é conhecido por extrair o melhor dos jovens talentos. Foi assim com Martial, é assim com Mbappé. Felizmente, o mais-que-provável Golden Boy 2016/17 deve sair esta temporada, pelo que a defesa do FC Porto não terá de enfrentar este Barry Allen dos gramados. Desengane-se, porém, quem antecipa um Mónaco fraco. Ainda há o cerebral Moutinho, o renascido Falcao, o atómico Guido Carrillo, os talentosos Rony Lopes e Tielemans e mais setenta gajos franco-africanos com nome acabado em 'é' que podem muito bem vir a ser a nova obra-prima de Jardim. Ah, e um principado sedento de vingar a final de 2004. Serão dois jogos duríssimos, tanto cá como lá. Sobretudo, porque a deslocação ao Louis II, programada para 26 de setembro, antecede a visita do FC Porto a Alvalade para o campeonato, e a receção -- que pode ser decisiva para as contas do grupo -- dá-se depois do FC Porto x Benfica.


Besiktas: Em 2013, o Bleach Report fez uma lista dos estádios mais ruidosos do planeta. O Ataturk Olympic Stadium, a morada do Besiktas, era o segundo. Atrás do Galatasaray e à frente do Fenerbahçe. Acho que isto diz bem da experiência avassaladora -- e inesquecível -- que é jogar na Turquia. O FC Porto até nem se tem dado mal com turcos. E vale dizer que, fora de casa, as equipas turcas costumam autovulgalizar-se, numa espécie de homesickness futebolística que as impede de obter melhores resultados europeus. Esta época, a equipa de Ricardo Quaresma acrescentou qualidade defensiva, com a aquisição dos calejados Gary Medel e Pepe. Sacaram Jeremain Lens ao Sunderland e contrataram Álvaro Negredo para suprir a saída de Aboubakar. Além de Quaresma, Ozyakup e Talisca continuam a ser os principais criadores de jogo do campeão turco, que ainda não encontrou a melhor forma esta época. O Besiktas é a equipa com a qual o FC Porto tem maior hipótese de resgatar pontos perdidos com os outros dois adversários. E temos em Aboubakar um espião de luxo, apesar de o camaronês falhar a partida em casa por castigo. O jogo no Dragão tem uma outra nuance, esta mais feliz: o regresso do Mustang ao seu palco de sempre.



Leipzig: A prova viva de que a Red Bull "dá-te asas". A equipa controlada pela multinacional austríaca é o protótipo do clube-empresa. Arrancou como um projeto financiado e potenciado pela marca de bebidas em 2008, que levou o clube a galgar divisões a eito na Alemanha até chegar ao circuito principal. Em oito anos, o Leipzig passou do escalão amador mais baixo à Bundesliga, onde, na época de estreia, logrou um alucinante segundo lugar. Por muito antiética e neoliberal que seja esta parceria austro-germânica, que não é muito diferente dos takeovers milionários que se tornaram norma no futebol este século, ela foi bem planeada e está bem estruturada. Os responsáveis do clube apostaram numa prospeção altamente eficiente, comandada por Ralf Rangnick, que lhes permitiu contratar bem e barato, com os resultados que se conhecem. O Leipzig descobriu talentos como Emil Forsberg, o número 10 sueco que joga e faz jogar a equipa, ou Diego Demme, uma espécie de Busquets alemão por quem o Leipzig pagou 750 mil euros. Mesmo nos investimentos mais avultados que fez, o clube soube comprar com precisão cirúrgica: Timo Werner, o goleador da equipa, e Naby Keita, o carregador, custaram milhões mas mostram rendimento de milhões. A filosofia Football Manager do Leipzig contrasta com a experiência europeia inexistente. Serão dois confrontos imprevisíveis, até porque a maioria destes rapazes nunca "saiu" da Alemanha. É a maior incógnita do grupo. Mas factos são factos: na liga alemã, só o Bayern fez melhor.


segunda-feira, 21 de agosto de 2017

FC Porto 3 x 0 Moreirense | Trivelas & Roscas


Correr debaixo de um calor abrasador não é para meninos. Ser treinado por Sérgio Conceição também não. Nem o ar quente que ontem secou os pulmões do Dragão desviou a equipa da identidade que tem relevado desde o início da época. A de um FC Porto que procura resolver a questão antes de ela se tornar um berbicacho. O FC Porto arrancou desperto, com ordem para empurrar a defesa do Moreirense contra o topo sul e vencê-la pelo cansaço. Soube fazê-lo, ainda na primeira meia hora, enquanto o motor não sobreaqueceu. Depois, trocou a vertigem pela lucidez, porque é importante ter vontade de marcar muito, mas crucial é ter pernas para marcar sempre.

Aboubakar: Este jovem faz lembrar aquele outro camaronês que cá tivemos há dois anos, que também arrancou a todo o gás e marcou 4 golos nas primeiras três jornadas. Um avançado jeitoso, com algum faro de golo mas um pouco atabalhoado, que acabaria por perder fulgor ao longo da temporada. Foi recambiado na época seguinte porque o treinador quis um armário belga para decorar o balneário. Curiosamente, ambos se chamam Aboubakar. Mas este Aboubakar é um jogador diferente. Amadurecido, mais evoluído tacticamente, e uma noção de posicionamento mais apurada (mais letal dentro da área). Resta saber se este ano supera definitivamente o seu maior fantasma: as crises de confiança que o banalizaram em 2015/2016.

Marcano: Confesso que a minha reserva em relação ao central espanhol era perceber até que ponto a subida de forma do ano passado era estrutural e não conjuntural. Começo a acreditar que é a primeira. O espanhol é cada vez mais um esteio da defesa portista e a sua tranquilidade é contagiante. Se Marcano está melhor porque tem Filipe ao lado, não é menos verdade que Filipe beneficia imenso de ter Marcano por perto. Dá-me gosto ver o progresso que registou desde que chegou. Passou de "central de recurso que toda a gente espera que nunca precise de jogar" para capitão do FC Porto. Bravo, Iván.

Brahimi: Foi, é, continuará a ser o elemento mais agitador do FC Porto. Pensa sempre o jogo de uma forma diferente dos outros, embora nem sempre melhor. Mas ninguém trata a bola como Brahimi no plantel FC Porto, que quando não tem arrufos com a vida, consegue fazer meio estádio parar de tirar selfies e olhar com atenção para o que está a acontecer no relvado. Há dias em que é mais difícil prever o que vai sair dos pés do argelino do que vai sair do bigode rebuscado de Manuel Machado. E nesses dias, o FC Porto torna-se muito mais complicado de travar. Alimentou o caudal ofensivo enquanto pode, mas está sob uma espécie de plano de proteção anti-fadiga e saiu quando o jogo já não pedia artistas, mas curadores.

Sérgio Conceição: Voltou a fazer uma gestão inteligente, tal como já tinha feito contra o Tondela, embora esta opinião possa não parecer consensual. Sérgio está a levar os seus jogadores à exaustão nos Olival (o plantel teve apenas três folgas em mês e meio) e tem sido mais delicado nos jogos. É sempre um risco abdicar da imprevisibilidade de Brahimi ao intervalo ou da criatividade de Óliver aos 60' (como aconteceu em Tondela), mas se a aposta for ganha, o FC Porto sai a ganhar no longo prazo.

Otávio: Ainda não encontrou a sua praia neste FC Porto de Sérgio Conceição, apesar de ter sido com o treinador conimbricense que o brasileiro mais evoluiu em Portugal. Sobretudo, na atitude. Pareceu amarrado à disposição táctica da equipa, sem saber muito bem por onde andar e o que fazer quando entrou. Sérgio pode fazer dele um jogador de topo, mas Otávio terá de se saber integrar no novo futebol da equipa. O que ainda não aconteceu.

Falta de profundidade: O grande senão do FC Porto 2017/2018. O plantel é curto para uma época tão longa e competitiva. E se isso ainda não se fez sentir é porque Marega tem cumprido, Danilo e Ricardo Pereira ainda cá estão e Aboubakar tem estado de pontaria afinada. Mas lá mais para a frente haverá castigos, lesões, baixas de forma e um modelo de jogo que vai pedir mais rotatividade do que o anterior. Sérgio tem sido mestre na reabilitação, mas é pouco provável que isso seja suficiente. O FC Porto ainda está exposto às agruras de um mercado onde é mais presa do que predador, mas não pode pensar apenas em sobreviver. Terá de se precaver.

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sábado, 19 de agosto de 2017

Falso ídolo

Atenção, Creuzebeck! Creuzebeck, meu filho, vamos lá que vai começar a baixaria.

A Liga Portugal anunciou na sexta-feira mais um casting para meninos queridos. Trata-se de uma pós-graduação praticamente idêntica àquela que atalhou caminho a alguns dos delegados da LPFP deste ano. Nomeadamente, a João Moura e João Pedro Rodrigues, dois causídicos de uma empresa contratada pelo Benfica para se defender do mailgate. Ambos estão, no mínimo, em situação de incompatibilidade. E ambos tiveram notas insuficientes nas provas de avaliação da Liga para figurar no quadro final. Porém, beneficiaram de uma regra martelada do processo de recrutamento de delegados, que oferece quatro vagas directas a quem frequenta a tal pós-graduação. Mesmo que a competência não assista ao candidato.

O jornal Abola publicou ontem uma investigação aprofundada ao mega escândalo que tem abalado o futebol português: o caso do túnel de Alvalade. Num exercício jornalístico irrepreensível, que reduz Joseph Pullitzer a mero estagiário da Dica da Semana, a bíblia do desporto olhou finalmente o elefante nos olhos e foi à caça dos factos que marcaram a noite do Sporting x Arouca. É, sem margem para dúvida, a história que faltava contar no desporto nacional e limpa em definitivo o clima em torno do futebol português. Foi cuspo ou fumo? Nada temam, Abola responde. E voltarão a dormir descansados. Pode ser que esta súbita epifania d'Abola tenha continuadade e a redacção já esteja nesta altura no encalço do outro grande problema do futebol português: a barba do José Sá.

Soubemos esta semana que o Benfica é uma espécie de concorrente do Preço Certo. Para onde quer que vá, sente-se obrigado a levar sempre o "presuntinho" da terra ao árbitro da partida. Está no manual das boas maneiras. Mas também está entre os preliminares que abrem caminho à corrupção. E talvez seja por isso que a UEFA o desaconselhe. As camisolas oferecidas pelo Benfica à equipa de Jorge Sousa, na última deslocação a Chaves, não violam as regras em vigor mas contribuem para a sua descredibilização. O presente do Benfica demonstra também duas coisas. Que as instâncias do país estão cada vez mais inquinadas pelo nacional-benfiquismo intravenoso, sobrando cada vez menos gente para questionar as suspeitas do clube da maioria; que o Benfica continua a tentar normalizar a cortesia aos árbitros, à espera que a sociedade do futebol acabe por aceitar e legitimar essa prática com o tempo. Temo pelo dia em que o FC Porto ainda seja multado por só oferecer robes e toalhas nos jogos no Dragão.

Este país tem tanto de bonito como de miserável. Está cheio de boas intenções que morrem quase sempre na irracionalidade de quem as pratica. E continua viciado num centralismo imperial desajustado dos nossos tempos. O FC Porto tem tentado evitar que a propaganda encarnada infecte irremediavelmente a cultura lusa, mas a máquina benfiquista continua a criar falsos ídolos. Será sempre uma luta desequilibrada.

O Benfica não é maior que Portugal. O Benfica apenas está acima de Portugal.


segunda-feira, 14 de agosto de 2017

Tondela 0 x 1 FC Porto | Trivelas & Roscas


Dois jogos, duas vitórias, seis pontos, cinco golos marcados e zero sofridos. Tudo isto somado dá o único algarismo que interessa, o primeiro. A matemática é simples, mas as contas podiam ter ficado baralhadas ontem, num jogo volátil e com uma matriz muito semelhante ao teste de pré-época contra o Gil Vicente. O modelo que Sérgio Conceição promove não é o ideal para terrenos curtos e sobrepovoados. Jogar sem espaço tem sido, aliás, uma dor crónica do FC Porto dos últimos anos que só Vítor Pereira conseguiu balsamizar. No entanto, a equipa fez mais do que o suficiente para derrotar o Tondela, sobretudo porque teve outro tempero que tem faltado em épocas recentes: mais confiança do que ansiedade.


Óliver: O pequeno génio espanhol precisa de amplitude para pensar o seu jogo mas tem uma arma que poucos jogadores do seu perfil possuem. A facilidade em rodar sobre si próprio e com a bola no pé. Isso dá-lhe a possibilidade de desfazer nós mais apertados do que o rego do Rui Vitória quando perde. É como se para Óliver não existisse força centrífuga e isso é uma anomalia física que temos de capitalizar enquanto ele por cá andar. Contra o Tondela, quando não tinha espaço, criava-o, sempre de olhos colados nas movimentações dos colegas e no desenrolar da jogada. Bem no capítulo defensivo, saiu cedo porque ainda não aguenta mais.

Aboubakar: Perde poder de alcance com Marega, porque os centrais adversários (e não só) veem mais perigo no camaronês do que no maliano. Acusou a falta do parceiro Soares, com quem desenvolveu uma parceria gulosa na pré-época, mas foi sempre o jogador que esteve mais perto de bater Cláudio Ramos. O golo foi importantíssimo para a equipa, mas sobretudo para ele. A confiança é o combustível de Aboubakar. Se a tiver, parece um Roger Milla do futebol moderno. Se não a tiver, parece Kléber depois de cair numa poça de petróleo.


Brahimi/Corona: Tanto o argelino como o mexicano têm a típica personalidade de extremo abre-latas. São espetaculares a esburacar tampas sólidas e compactas, mas por vezes dão mais voltas do que é preciso. O sucesso desta equipa também passa pelo espírito irreverente de ambos, mas convém que Sérgio Conceição lhes consiga conferir alguma objetividade. Nesse particular, Brahimi parece-me um pouco mais maduro do que o parceiro da ala direita. Ainda que ontem tenha voltado aos jogos inconsequentes. Já Jesus mostrou uma energia inédita esta temporada, mas continua a pecar no último passe.

Felipe: Acumulou erros como eu acumulo rodadas para pagar quando jogo à moeda. Mostrou uma displicência que, embora não seja nova, nunca é agradável de se ver. E podia ter custado a primeira deceção da época. Até agora não aparenta estar incomodado em vestir mais um ano de azul-e-branco. Mas é bom que o fecho do mercado chegue depressa, porque Felipe me parece aquele tipo de pessoa que não pensa muito nas coisas se não tiver oportunidade para pensar nelas. Podia ter sido expulso. Ou podia ter visto Tomané marcar um golo nas suas barbas. Não sei o que é pior.

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A beleza das transições vê-se na sensação de renascimento. Aproveitei o arranque de uma nova época para fazer um leve makeover ao blog. Na análise aos jogos, deixa de existir Mais e Menos e nascem as Trivelas e Roscas. É basicamente a mesma merda só que com um nome diferente. Inovador, ou não?



quarta-feira, 9 de agosto de 2017

Linha dura

Se no ano passado este tasco ficou a ganhar pó, muito se deveu a Nuno Espírito Santo.

Nunca digeri bem o mandato de Nuno no FC Porto. Desde as rábulas que marcaram a sua passagem anedótica pelo clube até à fuga pela porta dos fundos, acompanhou-me sempre uma perturbadora sensação de estar a assistir a um duro desfalque ao portismo. Especialmente numa temporada onde o assalto do Estado Lampiânico ao futebol português se tornou indisfarçável.

Não foi a anarquia dos "últimos 60 metros" nem o crime de subaproveitamento de Óliver que mais me atormentaram em Nuno Espírito Santo. Foi a postura fora de campo. O discurso de pacote, sem sumo, mais vazio do que a credibilidade de Rui Pedro Braz. As inenarráveis flash interviews, com lugares-comuns reciclados até à exaustão. A subserviência ao tretacampeão. A tentativa permanente de parecer um gentleman num FC Porto que pedia um pugilista. A necessidade constante de querer ser diplomata num clube de revolucionários.


Sérgio Conceição é um revolucionário. Até ver, dos bons. Dos que não estraga o que está bem feito e se concentra no que é preciso melhorar. O pulso de ferro de Sérgio contrasta com o espírito manso de Nuno. O pragmatismo de um opõe-se ao surrealismo do outro.


A primeira conferência de imprensa de Sérgio Conceição, na antevisão da partida com o Estoril, é um regalo nesse capítulo. Desde logo, pela inteligência de Conceição em capitalizar sem exageros a ideia do "Mar Azul", que ele próprio cunhou. A fórmula não é inovadora, mas resulta porque é simples, orgânica e apela aos adeptos. E não parece saída de um livro do Mark Cuban sobre as 36 formas de salvar uma empresa. O próprio Conceição sabe que a "mensagem passou" e que a partir de agora alimenta-se sozinha. 


Ao contrário do antecessor, o novo treinador portista tem consciência de que vai ter a maioria dos órgãos de comunicação social contra si. Vai enfrentar um ninho de víboras semana após semana, que lhe vão testar o temperamento volátil com as armadilhas do costume. Nuno nunca percebeu isso. E acabou ridicularizado.


A genuinidade de Sérgio é um ponto positivo, para já. Frontal, sem papas na língua e sem pedir licença. O FC Porto precisava do regresso dessa arrogância. Sérgio assume sem rodeios o que está mal e não se coíbe de mostrar a sua insatisfação com os erros próprios. Contudo, essa é uma estratégia com riscos e de equilíbrio delicado no que diz respeito à gestão do plantel. Resta aos adeptos confiar na capacidade de Conceição conseguir manter o espírito crítico sem se perder na crítica. Uma equipa unida não funciona sem uma boa táctica. Mas isso não significa que uma boa táctica seja independente de uma equipa unida.


Sérgio Conceição ainda está longe de ser um José Mourinho. Mas está incomensuravelmente mais perto de ser treinador de futebol do que Nuno Espírito Santo, que parece ser forte é nas cifras de Facebook.


Dentro de três horas, é com Sérgio Conceição ao leme que o FC Porto se volta a fazer ao mar em busca do único caminho que conhece, o das vitórias. Contra um Estoril que tem Praia no nome. E contra um kraken que só a linha dura portista pode abater.

Há uma certa poesia nisso que me agrada.



sexta-feira, 4 de agosto de 2017

Universo paralelo

O Benfica acusa o FC Porto de ter roubado correspondência privada. Mas afirma que os emails são falsos.

O Benfica vai exigir 50 milhões de euros ao FC Porto por fuga de informação do próprio clube. Mas a fuga vem de dentro. Talvez tenham interpretado mal o conceito de delação premiada.

O Benfica diz que Pedro Guerra nunca foi funcionário do clube. Mas vai despedi-lo.


O Benfica garante que o seu recinto nunca esteve interdito. Mas foi o primeiro da história dos três grandes a faltar à sua própria apresentação.

O Benfica diz que Eusébio é o seu maior símbolo e embaixador. Mas este ano esqueceu-se dele.

O Benfica é o clube que não vê nada de anormal no conteúdo dos emails. Mas exige que se apague tudo.

O Benfica quer a reabertura do processo Apito Dourado. Mas ainda não a pediu.

O Benfica ia avançar com um processo crime contra Pinto da Costa por causa das sms de Fernando Gomes. Mas ainda não avançou.

O Benfica desconhece que tem claques. Mas dá-lhes os parabéns.

O Benfica não conhece Luís Pina. Mas Luís Pina conhece Carlos Melo Alves.

O Benfica contabiliza a Taça Latina como um dos 81 títulos oficiais do clube. A Taça Latina foi uma competição de cariz amigável que funcionava por convite.


O Benfica afiança que com as receitas da BTV não precisa de vender jogadores. Esta época já vendeu a defesa toda.

O Benfica tem um Presidente que deve 600 milhões de euros ao Estado. Mas o Estado senta-se ao lado dele.

O Benfica diz ter rescindido com Mika em 2014. Mas autorizou a sua transferência para Inglaterra em 2016.

O Benfica rescindiu com Miguel Rosa e Deyverson em 2014. Mas os dois jogadores não puderam defrontrar o Benfica em 2015.

O Benfica também reclama 40 milhões de euros ao Sporting e 14 milhões a Jorge Jesus. Mas ainda não ganhou nenhum processo.

O Benfica congratulava-se de ter o plantel fechado em junho. Mas já comprou 21 jogadores e cedeu mais de 30.


O Benfica diz que este ano vale tudo para não ser penta. Mas nos anteriores tudo valeu para ser tetra.

O Benfica nega a cartilha. Mas a cartilha não nega o Benfica.

A realidade consegue por vezes superar a ficção. Mas só porque a ficção tem regras. E o mundo onde o Benfica vive, não.



quarta-feira, 2 de agosto de 2017

O Natal de 1995


O Natal de 1995 foi o pior de sempre.

Ano atribulado esse. Nasce o meu irmão e a família muda de casa, após um despejo inesperado. Para um puto até então intolerante à partilha, como eu, viver em contenção foi uma experiência azeda.


Crises não matam os sonhos de uma criança de 8 anos, por isso, passei o último trimestre desse ano a salivar pela MegaDrive, que cobiçava desde que me lembro de existir. As idiossincrasias da pré-adolescência pediam-me para encerrar em definitivo o ciclo da Lego e começar a distribuir fruta em Streets of Rage.


Quando chegaram as últimas horas do 24 de dezembro, lá estava eu hipnotizado pelo maior embrulho da árvore, alheio aos alertas que o mundo exterior me dava, os olhares insípidos e os sorrisos amarelados de quem antecipa a desgraça. Não dei por nada até começar a rasgar aquele papel colorido, às zero em ponto, pronto a acolher ali uma potente injeção de endorfinas. Mas era uma garagem da Lego. 


Imaginem o minuto 92, só que ao contrário. Com o Roderick a marcar na baliza de Helton. Multipliquem por mil. Foi assim que me senti. E voltei aos Legos.


Sérgio Conceição chega como treinador a um FC Porto muito diferente daquele que conheceu enquanto jogador. O clube perdeu poder no futebol, cedeu a hegemonia nacional, afastou-se do culto de vitória e viu o novo código financeiro da UEFA impor-lhe um quadro de restrições que nunca experienciou. Não está impedido de comprar, mas não conta com a ginástica de outros tempos. Logo, um pouco como eu e os Legos em 95, Conceição terá em 2017 a intrincada missão de conquistar o que pode com o que tem. Sem esperar grandes prendas de Pinto da Costa.


A opção Sérgio Conceição nunca foi consensual. Da mesma forma que eram poucos os portistas que o queriam em janeiro de 2016, quando esteve com pé e meio no clube, também não entusiasmou ninguém quando foi contratado ao Nantes, ano e meio depois, apesar da evolução saliente que mostrou em França. Contudo, Sérgio está a encarar o desafio com uma sobriedade inesperada, um discurso fresco e consciente e com a fome de vencer que sempre lhe conhecemos. Um trabalho silencioso, resguardado, tranquilo, que só veio à superfície nos seis jogos que equipa disputou à vista de todos, com resultados prometedores.


Sou pragmático, gosto de meter água naquela fervura que caracteriza habitualmente a pré-época. E fervura é até uma termo que assenta bem ao temperamento do novo treinador. Mas algo mudou no FC Porto, o que por si só é extremamente positivo. Ao contrário dos seus antecessores, não vejo Sérgio Conceição aborrecido por ter de brincar com os brinquedos que já tinha. Nem a fazer birras para lhe oferecerem o impossível. Antes, um treinador ciente de que o sucesso do seu trabalho passará muito por repensar um plantel que já existia.


Há muito por onde melhorar e o plantel não tem a profundidade necessária para atacar as exigências de uma época. Mas é o que temos para já. Sérgio Conceição terá de potenciar a velocidade de Hernâni, redescobrir João Carlos Teixeira, estabilizar o rendimento de Sérgio Oliveira ou encontrar a melhor forma de espremer Marega. Fazer diferente com as mesmas ferramentas.


Conceição é, por estes dias, um puto como eu era em 1995. Alienado no seu universo de Legos, satisfeito a criar novas histórias e novas formas de fazer história. Reinventar-me foi tão desafiante que esqueci rapidamente a MegaDrive.


O Natal de 1995 foi o melhor de sempre.