domingo, 28 de outubro de 2018

FC Porto 2 x 0 Feirense | Trivelas & Roscas


Um dia, um chef português pouco conhecido mas entendido da coisa disse uma grande verdade: "uma boa entrada supera qualquer prato principal". Sabem quem foi? Eu poupo-vos o trabalho: fui eu. Para convencer uns convidados a comer uns canapés de hummus com aspecto sinistro que fiz. Ora, depois de o Belenenses nos ter oferecido dois apoteóticos pastéis para o antipasto, o FC Porto deu hoje aos adeptos uma refeição agradável, bem temperada, sem o excesso de sal de outras partidas da época. Uns bifinhos au champigon, vá. Em suma, cumprimos, num jogo onde era obrigatório vencer para voltar à liderança partilhada, em casa, frente à equipa menos batida da liga (apenas cinco golos concedidos em 8 jornadas), com a nota frutada de Óliver, o perfume de Brahimi e Corona e aquela dose de Casillas que eleva o nível de qualquer prato. Sem deslumbrar, estamos na liderança da Liga e da Champions League, no arranque de um mês de novembro onde vamos jantar quase sempre no Dragão. Não se podia pedir muito mais. Vamos a notas.



Óliver: Na flash interview, perguntaram a Óliver Torres se se sentia um jogador mais evoluído. O espanhol respondeu prontamente que não, que sempre jogou assim. E a verdade é que já todos sabíamos a resposta. Óliver sempre foi o elemento mais criativo da equipa portista, o médio com pensamento menos vertical, que procura sempre a solução menos óbvia, o passe menos estudado pelo adversário. Óliver desbloqueia, assume o risco. Claro que nem sempre corre bem e isso traz-lhe maior exposição, pelo papel que tem em campo. Mas até defensivamente o espanhol tem uma presença anormalmente eficaz para alguém com uma propensão tão ofensiva. Só hoje somou 11 desarmes, quase todos por antecipação, graças a uma leitura de jogo que só Herrera e o melhor Danilo partilham. No Dragão, contra adversários que não procuram ter a bola, Óliver é fundamental.

Corona/Brahimi: Os fantasistas da equipa portista pareciam dois miúdos de castigo na primeira parte, castrados pela transformação em médios alas e pelas obrigações defensivas que a posição exige. Mas o primeiro golo do FC Porto e a segunda parte aproximaram-nos da baliza, dinamitando por completo o muro da Feira. Segunda parte extraordinária dos dois elementos, que merecia uma resposta mais competente dos avançados.

Herrera: Entrou muito bem, para meter Tiago Silva e Alphonse na linha, sacudindo uma fase de maior pressão e atrevimento do adversário. Repôs o equilíbrio num meio-campo que começava a acusar o desgaste.

1º golo: Jogada de laboratório deliciosa, executada na perfeição, que terá deixado Sérgio Conceição orgulhoso e Rui Pedro Braz aziado pelo facto de não ter sido marcado fora-de-jogo ao mindinho de Felipe.



Soares/Marega: A primeira parte foi de uma nulidade confrangedora, que podia ter saído caro. O ataque do FC Porto, isto é, os homens com responsabilidade pelo golo, mostraram poucos argumentos técnicos para segurar a bola no último terço e desfazer a organização feirense na primeira metade. O dinamismo com que o FC Porto regressou do balneário, patrocinado sobretudo pelos médios-ala, deu boleia às exibições medíocres de Soares e Marega e maquilhou o que até então estava a ser o pior setor da equipa. Ironicamente, o segundo golo foi construído pelos dois avançados, mas isso não os blinda da crítica. Tanto Soares como Marega são duas máquinas de desgaste que, em 4x4x2, talvez beneficassem de um jogador mais técnico ao lado, como Ádrian.

quinta-feira, 25 de outubro de 2018

Lokomotiv 1 x 3 FC Porto | Trivelas & Roscas

Fotografia: Miguel Pereira/Global Imagens

In Russia babushka, you don’t play football, football plays you. A vitória de ontem sobre o Lokomotiv de Moscovo foi tão desafiante para o coração como jantar no Chimarrão depois de lanchar na rulote, com a equipa do FC Porto a demonstrar uma vez mais uma capacidade invulgar de transportar qualquer adepto minimamente funcional numa viagem hipersónica entre a exasperação e a euforia. Em perspetiva, o FC Porto até fez um jogo bastante positivo no plano ofensivo, dando um pontapé na falta de objetividade e eficácia que tem marcado as exibições nos encontros mais recentes. Houve mais bola, mais critério na construção, passes mais curtos, mais frieza na área adversária. Uma mudança que tem o cunho de Óliver, cuja presença descomplica o processo do FC Porto com bola. Por outro lado, voltámos a demonstrar que uma vantagem de dois golos é sempre um resultado perigoso para nós, um fenómeno psicológico que carece de explicação e solução. 90 minutos hitchcockianos decididos nas minudências. Notas abaixo.



Defesa: Desta vez nem, Militão escapou à mediocridade defensiva, que resulta de uma conjuntura infeliz de vários fatores diferentes: a falta de forma de Alex Telles, o retiro espiritual de Felipe e a as falhas crónicas de Maxi, além do jogo menos conseguido do nosso Éder. O próprio Danilo, o habitual carro-vassoura do quarteto, ainda precisa de rodagem. E isto tudo bem agitado transforma-se num cocktail altamente inflamável que continua a prejudicar a dinâmica do nosso futebol. Marcamos, marcamos outra vez, sofremos, trememos, voltamos a marcar, voltamos a tremer, sem nunca conseguir olhar o bully nos olhos sem engolir em seco. Não é um problema de falta de qualidade, é mesmo só um bicho mental que precisa de exorcismo ou chá verde ou workshops de auto-estima DIY do Gustavo Santos. Fuck knows. Get your shit together, guys.



Iker: O homem que tem mais presenças na Liga dos Campeões do que eu níveis passados no Candy Crush mostrou porque atingiu o estatuto de lenda ainda no ativo. Por mais que me esforce não há muito que possa escrever de novo sobre ele. A nossa vitória não aconteceria sem aquele penalty defendido. Não estaríamos na liderança do grupo D, com dois de três jogos em casa por fazer. Não teríamos assegurado 1,5% do orçamento de 2019/20. Não teríamos continuado a fazer memes sobre detergentes e rivais. Enfim, acho que já perceberam.

Óliver: Não faço lobby pro-Óliver mas perante o grau de qualidade que empresta à equipa, especialmente com bola, torna-se inegável não pedir mais minutos de utilização. É o gajo a quem, numa festa, dás a mini que não consegues abrir ou pedes para atear o lume que não pega porque sabes que ele tem uma panóplia de soluções para desbloquear o impasse no convívio. Peca defensivamente na ocupação dos espaços, mas mesmo assim as estatísticas estão do lado dele: foi o dragão"com mais desarmes (3), bloqueios de passe (2), segundo a Goalpoint. Além disso, o que o espanhol dá à equipa em comprimento e criatividade compensa largamente o que tira em músculo e poder de choque.

segunda-feira, 8 de outubro de 2018

Benfica 1 x 0 FC Porto | Trivelas & Roscas


Vamos já despachar o mais difícil de escrever: o Benfica foi superior e mereceu ganhar o clássico. Mereceu ganhar porque foi a equipa que mais procurou o golo e que descobriu mais caminhos para chegar à baliza adversária. A reacção do FC Porto chegou tarde e só depois da expulsão de Lema, um perfil pouco condizente com uma equipa que no ano passado fez-se praticamente campeã naquele mesmo estádio. É evidente que não vamos poder ganhar todos os clássicos até à extinção da humanidade. Mas pessoalmente prefiro perder a tentar. E geralmente a História tem o seu papel velhaco nestas estórias: nunca conta, mas cumpre-se sempre. Tal como no clássico da Luz da temporada passada, onde Rui Vitória foi penalizado por querer segurar o penta com um empate, Conceição também foi ontem castigado por não ter carregado sobre um Benfica com a pior dupla de centrais desde Paulo Madeira e Ronaldo. A boa notícia? É apenas Outubro.


Militão: Foi uma pena ter sido o único central a entrar ontem em campo, caso contrário teríamos evitado o golo de Seferovic. Aliás, esse lance é sintomático. É ele que ataca Pizzi e ainda tenta impedir o remate do avançado suíço. Militão comporta-se como aquele estagiário que chegou ontem à empresa mas traz bagagem e vontade de trepar rápido na hierarquia. Tudo isto enquanto Felipe, que nesta analogia desempenha o papel de efectivo acomodado, abordava os lances como quem vinha a correr da sexta pausa para não ser apanhado. Ao fim de seis jogos, Militão já berra com a defesa - e com razão - como se fosse ele o dono do armazém. E são jogadores como ele que me dão razões para manter a confiança de que o barco não afunda até a tempestade passar.

Iker: Voltou a ser santo numa epopeia ingrata para ele. Fez um clássico ao nível a que nos habituou: parou quase tudo. Só não pode fazer de terceiro central.



Felipe: Metade já foi dito acima. Anda enervado, joga desconfiado e nem a chamada à seleção o parece ter deixado mais confortável - pelo contrário. Será difícil pensar na defesa do FC Porto sem Felipe, mas talvez esteja na altura de lhe dar algum descanso.

Herrera: Herrera ainda não regressou da salgalhada de tetas em que se envolveu no México, no pré-Mundial. O cansaço de Herrera não vem das pernas, mas da cabeça. O seu futebol é o reflexo do que vive fora de campo e Herrera parece não estar a atravessar uma fase positiva fora dos relvados. Joga sem cor, sem felicidade, como quem se arrependeu veementemente de não ter optado pela carreira de trolha em vez de ser futebolista. "Ao menos, nas obras, ninguém dava por mim", pensará o mexicano de cada vez que falha um passe de 60 cm.

Ataque: Inexistente, desinspirado, insípido. Muito por culpa da inoperância do meio-campo, também. Mas não só. Marega sem Aboubakar, encostado a uma das alas, torna-se um jogador mais banal, sem rasgo. Soares ainda está a retemperar a forma, mas dificilmente será o remédio para todos os nossos problemas de eficácia, sendo ele próprio um esbanjador nato. Brahimi é um Mustang com os colectores entupidos. O ataque é, neste momento, o sector que mais insónias me dá. E vislumbro muitas noites mal dormidas.

segunda-feira, 1 de outubro de 2018

FC Porto 1 x 0 Tondela | Trive... Nah, uma análise diferente


Vamos fazer uma pequena experiência de laboratório. Analisar o FC Porto x Tondela por eletrólise, separando o jogo jogado com os pés do jogo jogado com a cabeça, isto é, colocar o desempenho prático e o comportamento emocional em pratos diferentes. Pode parecer impossível - na verdade, é - uma vez que nenhuma exibição pode ser vista à lupa sem incorporar todos os factores que entram em campo: a psicologia é um deles. Mas o jogo de sexta-feira tornou-se num tema tão fraturante entre a comunidade portista que a melhor forma que encontro de criar uma linha de raciocínio é separar as águas.

A verdade é que o FC Porto x Tondela, do ponto de vista estatístico e objectivo, foi a segunda melhor exibição desta época, só superada pela terraplanagem ao Chaves. Em termos de produtividade, os portistas lograram os melhores números da época, tanto ofensiva como defensivamente, somando 31 remates (contra os 19 do Chaves), e 9 remates enquadrados (mais 3 do que no jogo contra os flavienses). Por cima disto, o FC Porto terminou o jogo sem permitir qualquer remate enquadrado à equipa de Pepa. A diferença entre o jogo de sexta-feira e o do arranque da Liga foi inevitavelmente a eficácia, que esteve muito abaixo do esperado.


Porquê? É aqui que entra a face oculta da exibição portista. A pressão de passar para a liderança antes de ir à Luz. Uma pressão que começou muito antes da bola rolar e ditou uma pressa constante e muitas vezes inconsequente em chegar ao golo. Um golo que tardava em chegar. O nervosismo inversamente proporcional a cada oportunidade perdida. A incapacidade em conter o incêndio na fase de rescaldo, como quem diz, tranquilizar depois do 1x0. Tudo isto regado com um futebol demasiado frito, cheio de passes erráticos, bolas longas absurdas e decisões imprudentes, em casa, sem um único momento de divórcio entre os adeptos e a equipa, o que torna esse pânico ainda mais inconcebível. Do ponto de vista emocional, foi uma exibição tremida, frustrante de ver e com resquícios do Porto de Nuno Espírito Santo, aquela equipa que só é conhecida por ter sido incapaz de tomar o leme do campeonato.

A franja académica, dos puritanos da tática, do jogo entre linhas e das basculações, teve no FC Porto x Tondela uma partida interessante de dissecar. Já os adeptos do FC Porto, esses umbilicalmente ligados ao coração da equipa, deixaram-se contagiar naturalmente pelo nervosismo dos jogadores. Foi como assistir à Play, de Samuel Beckett, representada por um amador em estreia no National Theatre, em vez da confiança absoluta de Alan Rickman. Claro que mexe com o público.

É esta segunda personalidade que urge matar. É que o FC Porto que na sexta-feira, frente ao Tondela, geriu uma vitória com jogadores a proteger a bola junto à bandeirola é o mesmo - e é treinado pelo mesmo - que o ano passado perdeu a liderança à 26ª jornada para a ir resgatar a casa do rival à 30ª. Mais do que a qualidade das exibições, a fibra mental que nos fez campeões ainda não apareceu este ano. E é isso que transforma um jogo com sentido único numa exibição meh.

Por último, Sérgio Conceição. Não há nada que não tenha sido escrito sobre o assunto nos últimos dias, pelo que não resta muito a acrescentar. O comentário de Conceição foi francamente infeliz, o alvo ainda mais, mas obviamente que o técnico não pretende abrir uma frente de conflito entre staff e adeptos. The way I see it, foi só mais uma forma de blindar o grupo da pressão interna, uma arrogância estratégica, de quem quer chamar a si o foco para que ele não abrase (ainda mais) os jogadores. Por outro lado, é a realidade do resultadismo a que uma boa porção do futebol moderno aderiu. Sérgio Conceição é um deles. Um crente no paradigma resultadista e pragmatista do futebol: do correbol, do jogar - bem ou mal - para ganhar, da escola do meio a zero, do 1-0 é melhor do que 4-3, do o-caminho-mais-curto-para-o-golo-é-o-mais-directo. Não seria a minha filosofia mas é aquela em que ele acredita. E ele é que foi campeão nacional.