quinta-feira, 28 de novembro de 2019

O FC Porto, o silêncio e eu


Não é novidade para ninguém de que sou filho de Lisboa. Moro num dos bairros mais encarnados do país, onde a moeda de troca é o Benfica. Vivo no meio da arrogância documentada, sento-me ao lado da fanfarronice no autocarro, tomo café numa pastelaria chamada 'O Maior'.

Orbito conversas sobre o árbitro que rouba o Benfica, o penalty por marcar contra o FC Porto, resistindo à lei da gravidade. O Apito Dourado continua a ser a régua da moralidade. Rui Pinto, o novo ecoponto do ódio. Assisto sereno à troca da dignidade por pontos de militância, à venda de factos à medida e verdades ajustadas na feira de vaidades que é o Estado Lampiânico.

As tempestades de euforia são difíceis. Atravesso cada título do Benfica como quem se encolhe no bunker à espera que o bombardeamento passe. Aguento as buzinas, os cânticos e os petardos com uma disciplina polida ao longo de muitos anos.

Aqui, o silêncio é meu amigo. Foi na antítese do êxtase que me tornei confortável porque, aqui, a vitória do FC Porto é muda. Vocês celebram, eu absorvo. Foi e vai ser assim toda a minha vida.

Nunca fui às Antas. Pisei o Dragão umas 20 vezes na vida, vi outros tantos jogos do FC Porto no sul, não compro a camisola oficial desde 2014, nunca fui sócio do clube, nunca fui à AG. Mas nada disso faz de mim menos portista do que ninguém. Sofro, vibro, preocupo-me, azio, choro, digo caralhadas quando falhamos e dou murros no ar quando marcamos, como vocês. Só que ninguém o testemunha, porque o meu universo é surdo e intransmissível.

Vivi o suficiente para ver o FC Porto transformar-se de um clube unânime, com uma liderança homogénea, que idolatrava o sucesso, numa casa fracturada, conduzida de forma questionável, que idolatra o passado.

Não sei bem quando e com quem nos perdemos. Creio que, com a bebedeira da hegemonia, tornámo-nos progressivamente o nosso maior inimigo. Bebemos e bebemos e o Kelvin aos 92' foi "aquele último copo que nos fodeu". Depois adormecemos, enquanto os outros afiavam as facas por cima do nosso sono.

Hoje, nada disso parece interessar. O adepto tornou-se maior do que o clube. O ego superou a matriz. Há um populismo furioso a inundar as praças virtuais com o intuito de impor uma cultura de obdiência cega, plana, opaca, sustentada no pretexto de afastar a negatividade da crítica. Como se o espírito crítico alguma vez tivesse beliscado o FC Porto. É insuportável.

As pessoas confudem os campos de batalha. Há um conflito a decorrer contra um clube que infecta o poder e a corrompe o jogo nos corredores do sistema. E há outro nos corredores do Dragão, também ela feita de poder e parasitas, que ameaça colapsar as fundações em que o clube se ergueu e que muitos não parecem querer assumir.

As duas guerras coexistem. Uma não anula a outra, primeira não vai resolver a segunda, nem a segunda fará desaparecer a primeira. Reconhecer os problemas que existem no FC Porto, desde a estrutura ao relvado, não é dar munições ao inimigo. Pelo contrário, escondê-los é alimentá-los e, no longo prazo, oferecer uma vitória em lume brando ao Benfica.

Nunca pretendi influenciar, minar ou arrastar a opinião de ninguém. Só quis mostrar a minha posição no prisma e negociá-la saudavelmente com todos os adeptos que me seguiram ao longo destes quatro anos de Twitter, estimulando-os a, mais do que pensar no FC Porto, pensar o FC Porto. Mas o surgimento de uma polícia religiosa no Twitter e a recente postura proto-fascista de uma certa franja portista fez-me repensar o propósito da minha presença nas redes. Fez-me perceber que esse propósito já não existe. Faz-me ter saudades dos dias em que era só eu, a TV (ou o PC) e o FC Porto.

Por isso, saio aqui. Irei manter a conta @PentaDrax viva, mas sem actividade, para não se apropriarem da persona. Irei manter este blog para poder desabafar umas coisas de vez em quando. E irei manter o meu portismo intacto, sólido, vivido da forma que sempre meu deu mais prazer: em silêncio.

Vemo-nos por aí. Abraço a todos.

FC Porto, sempre.