quarta-feira, 9 de agosto de 2017

Linha dura

Se no ano passado este tasco ficou a ganhar pó, muito se deveu a Nuno Espírito Santo.

Nunca digeri bem o mandato de Nuno no FC Porto. Desde as rábulas que marcaram a sua passagem anedótica pelo clube até à fuga pela porta dos fundos, acompanhou-me sempre uma perturbadora sensação de estar a assistir a um duro desfalque ao portismo. Especialmente numa temporada onde o assalto do Estado Lampiânico ao futebol português se tornou indisfarçável.

Não foi a anarquia dos "últimos 60 metros" nem o crime de subaproveitamento de Óliver que mais me atormentaram em Nuno Espírito Santo. Foi a postura fora de campo. O discurso de pacote, sem sumo, mais vazio do que a credibilidade de Rui Pedro Braz. As inenarráveis flash interviews, com lugares-comuns reciclados até à exaustão. A subserviência ao tretacampeão. A tentativa permanente de parecer um gentleman num FC Porto que pedia um pugilista. A necessidade constante de querer ser diplomata num clube de revolucionários.


Sérgio Conceição é um revolucionário. Até ver, dos bons. Dos que não estraga o que está bem feito e se concentra no que é preciso melhorar. O pulso de ferro de Sérgio contrasta com o espírito manso de Nuno. O pragmatismo de um opõe-se ao surrealismo do outro.


A primeira conferência de imprensa de Sérgio Conceição, na antevisão da partida com o Estoril, é um regalo nesse capítulo. Desde logo, pela inteligência de Conceição em capitalizar sem exageros a ideia do "Mar Azul", que ele próprio cunhou. A fórmula não é inovadora, mas resulta porque é simples, orgânica e apela aos adeptos. E não parece saída de um livro do Mark Cuban sobre as 36 formas de salvar uma empresa. O próprio Conceição sabe que a "mensagem passou" e que a partir de agora alimenta-se sozinha. 


Ao contrário do antecessor, o novo treinador portista tem consciência de que vai ter a maioria dos órgãos de comunicação social contra si. Vai enfrentar um ninho de víboras semana após semana, que lhe vão testar o temperamento volátil com as armadilhas do costume. Nuno nunca percebeu isso. E acabou ridicularizado.


A genuinidade de Sérgio é um ponto positivo, para já. Frontal, sem papas na língua e sem pedir licença. O FC Porto precisava do regresso dessa arrogância. Sérgio assume sem rodeios o que está mal e não se coíbe de mostrar a sua insatisfação com os erros próprios. Contudo, essa é uma estratégia com riscos e de equilíbrio delicado no que diz respeito à gestão do plantel. Resta aos adeptos confiar na capacidade de Conceição conseguir manter o espírito crítico sem se perder na crítica. Uma equipa unida não funciona sem uma boa táctica. Mas isso não significa que uma boa táctica seja independente de uma equipa unida.


Sérgio Conceição ainda está longe de ser um José Mourinho. Mas está incomensuravelmente mais perto de ser treinador de futebol do que Nuno Espírito Santo, que parece ser forte é nas cifras de Facebook.


Dentro de três horas, é com Sérgio Conceição ao leme que o FC Porto se volta a fazer ao mar em busca do único caminho que conhece, o das vitórias. Contra um Estoril que tem Praia no nome. E contra um kraken que só a linha dura portista pode abater.

Há uma certa poesia nisso que me agrada.



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