terça-feira, 29 de maio de 2018

Sobre Dalot

Em Fevereiro, afirmei neste espaço que Dalot iria renovar com o FC Porto. Estava convicto disso porque esse era, na altura, o cenário mais firme em cima da mesa. Estava certo porque todas as partes envolvidas estavam certas de que seria uma questão de tempo e timing.

Não aconteceu. Nem vai acontecer. Dalot será jogador do Manchester United num negócio que deverá ser comunicado publicamente na sexta-feira. A cláusula do jogador é de 20 milhões de euros mas a operação pode trazer leves surpresas (positivas) no que diz respeito ao montante envolvido.

Um ligeiro consolo para uma perda que, já se sabe, é enorme para o FC Porto. Desde logo porque ficará com o lado direito da defesa numa situação precária, após a saída de Ricardo Pereira e com Maxi a 30 dias de terminar contrato. E, acima de tudo, porque Dalot é o futuro do futebol português. Custa vê-lo partir com tanta história por escrever ao serviço do seu clube de sempre. Mas compreendo os motivos. Acredito que voltará a casa um dia.

Acresce dizer que a operação coloca o FC Porto em situação de cumprimento do acordo de fair play financeiro, ficando o défice orçamental abaixo do limite máximo de 20 milhões de euros estipulados para 2018.

Ao Diogo, votos de enorme sucesso em Inglaterra. À SAD do FC Porto, que a resposta seja rápida e contundente. Há um bicampeonato para conquistar. O nosso melhor negócio ainda são as vitórias.


quinta-feira, 17 de maio de 2018

Apito surdo

Enquanto são pontapeados pela imprensa, pelo poder político, pelas autoridades, pelos rivais da 2C, talvez os adeptos do Sporting tirem uma lição importante de tudo isto.

Foi o julgamento sumário que nos revoltou durante o Apito Dourado. A perseguição cega e sem direito a contraditório, na qual vocês participaram, que condenou o FC Porto e o Norte ainda antes dos tribunais se pronunciarem.

Nenhum adepto lúcido do FC Porto nega o Apito Dourado. Ouvimos as escutas, lemos os autos. Sabemos o que significa fruta e café com leite. Não sofremos de negacionismo e sabemos o que custa ver um presidente que vos deu tudo dar-vos também o que nunca pediram.

Mas isso não significa que a verdade não possa ser maquilhada, adulterada para parecer uma ilha. O bolo da vossa eventual corrupção, tal como o nosso há dez anos, tem ingredientes a mais. E é assim que ele será vendido ao público. Pelos mesmos que não coíbem de mascarar a gravidade do que se passa do outro lado da estrada, os co-autores do apito surdo.

Essa revolta interior para com a diferença de tratamento não é nova para nós. Passámos pelo mesmo. Fomos espezinhados quando só pedíamos que a investigação fosse justa e estendida a todos os suspeitos. Não foi.

2018 ensina-vos uma coisa que nós já aprendemos há uma década. Só há um clube em Portugal cuja maioria dos adeptos prefere comer o hambúrguer sem saber de que ele é feito. Agora, vocês sabem qual é.


terça-feira, 15 de maio de 2018

Bola na mão ou mão na bola


A história de corrupção no Andebol, que o CM chama hoje à capa, é demasiado complexa para ser inventada e demasiado grave para ser um mero exercício de difamação ou perseguição. Contudo, provém de um órgão de comunicação social suspeito e pouco fidedigno, que já se prestou no passado a comportamentos meretrícios a certos players do nosso futebol.

É também um exemplo claro da diferença de tratamento que a imprensa dá aos casos de corrupção, uma vez mais atendendo aos intervenientes. Em apenas algumas horas, o alegado esquema de corrupção montado pelo Sporting no andebol já teve mais eco do que os terabytes de emails que saem quase semanalmente sobre o alegado esquema de corrupção do Benfica no futebol. Um pouco à semelhança das denúncias anónimas sobre alegados subornos do FC Porto, cuja sustentação era precária mas às quais foram dedicados rios de tinta até se esgotar a racionalidade.

Subitamente, o conteúdo de uma mensagem deixa de ser acessório e volta a ser essencial e os jornalistas focam-se no quadro e não na moldura, enquanto publicam manifestos de lucidez e ortodoxia sobre a profissão.

A história, em si, é extremamente (talvez até demasiado) suculenta, directa e envolve um cardápio de personagens com motivações, no mínimo, estranhas. Um sportinguista arrependido, um empresário ligado às malas mafiosas do futebol que publicitou a história antecipadamente, um director de futebol que supostamente geria tudo sem aparecer e árbitros com demasiado à-vontade para compactuar com estas práticas. À primeira vista, há vários ingredientes típicos de orquestração nisto. Não se exclui que tudo isto seja uma tentativa cirúrgica de capitalizar a crise em Alvalade, sobretudo quando ainda há um título nacional para ganhar.

Por outro lado, a revelação é sustentada com áudios reveladores, que indiciam a existência de algo mais substancial. Vale o que vale. O silêncio da SAD do Sporting, que demorou mais horas a reagir do que devia, também não é muito abonatório para quem quer desacreditar esta história. E o facto de o Sporting ser presidido por uma figura imprevisível, polémica e feita de material ainda desconhecido não ajuda.

A verdade é que, na época das alegações (2016/17), o Benfica x FC Porto da penúltima jornada do campeonato foi um dos maiores assaltos ao dragão de que há memória na modalidade, com uma partida carregada de erros técnicos, que o FC Porto contestou e a Federação nunca quis explicar. Para quem não acompanha a modalidade, se quiser traçar um bom paralelo, recorde o que aconteceu à equipa de futebol do FC Porto na Feira. Não foi muito diferente.

Não sei se estamos perante um caso de corrupção activa ou uma narrativa cirurgicamente adaptada aos acontecimentos. De qualquer forma, a PGR já confirmou que o DIAP do Porto está a investigar o caso e, com o descuido brutal com que o alegado esquema terá sido desenvolvido, se ele tiver existido, facilmente será exposto e desmontado.

Avaliar se é bola na mão ou mão na bola é da competência das autoridades. Em todo o caso, o grande prejudicado no final será sempre o mesmo: o FC Porto.


sexta-feira, 11 de maio de 2018

Porto seguro

Nunca houve dias perfeitos. Pelo menos para nós, portistas. Nem aqueles em que vencemos, porque as vitórias são o caminho, não o destino. Somos capitalistas no sucesso. Há sempre mais qualquer coisa para ganhar. Passámos tantos anos a codificar esta natureza de insatisfação permanente nos nossos genes que já não nos é possível beber e cair sem pensar na campanha seguinte.

Ainda mal empossados como campeões e já a mente navega em conquistas que ainda não aconteceram, temporais que nos aguardam, noites em que voltaremos a ser nós contra tudo e todos. Ser portista é obedecer a um ritmo de vida alucinante, exigente, cada vez mais desgastante. É perseguir a diferença, ter a vontade demolidora de polarizar o mundo, desafiar convenções, centrifugar a ordem decretada das coisas. E tirar prazer disso.

Perdi a conta ao tempo que passou desde a última vez que senti o aroma a terra ensopada. Foram muitos meses exilado na nau, agarrado às cordas, à madeira empobrecida, a vaguear no princípio da incerteza sem saber se haveria futuro. Não fui convidado, entrei à socapa na barca, num dos mil buracos que todos lhe apontavam antes de partir.

E ela aparentava ser frágil, despida, condenada desde o berço, feita de sobras, troncos e escombros. Mas fintou as expectativas e voou e voou e continuou a voar na trama dos retalhos que fingiam ser velas. E que, com o tempo, se tornaram velas.

Marega, por exemplo, esse empecilho que só servia para caricaturar uma política de contratações anedótica virou o escárnio contra os escarnecedores e transformou-se no piloto da equipa, o astrolábio inesperado que vectorizou o jogo do FC Porto. O maliano foi a figura de proa deste colectivo e os números estão com ele. Enquanto esteve presente, o FC Porto ganhou quase todos os jogos e esteve sempre em primeiro lugar. Quando se lesionou, em março, após a vitória crucial sobre o Sporting, na tangente de um ciclo que se considerava o mais abrasivo da época para o FC Porto, os seus colegas perderam o norte em campo, o conforto da referência que só reencontraram após o regresso de Marega em bom tempo, antes da Luz. Marega não nasceu para jogar futebol e ele sabe-o, ninguém precisa de lho dizer. Mas encontrou a sua essência no acessório, no físico, não no técnico, tirando partido das suas características para arrastar o jogo do FC Porto para a frente. Foi ele quem segurou o barco muitas vezes, quando choviam bolas inconsequentes à procura de um toque de fé. Não é o futebol mais bonito que tivemos, mas foi eficaz. Sobretudo, porque Marega estava lá.

O capitão Herrera foi o último a descer do barco quando aportámos. Fez questão de olhar para trás e deitar um último olhar sobre o imenso mar azul. Foi Herrera quem nos ensinou a não desistir. Que nos demonstrou que o erro não nos condena. Somos nós próprios que nos condenamos por errar. Foi Herrera que nos relembrou a esquizofrenia do futebol, a dança frenética entre a besta e o bestial. Foi Herrera que elevou o símbolo onde muitos elevariam o nome. Herrera foi o gerente de campo, um capitão silencioso mas sensato, que redescobriu a vontade de jogar de futebol com a função certa. Herrera não é bombeiro, nem sapador, nem maestro nem artista. Herrera não cabe no futebol académico, no jogo teórico, mas também não é difícil de compreender. É um médio com atitude e amplitude, liderança na voz e no pé, que joga em linhas rectas. Herrera é o transportador que procura encurtar distâncias sem forçar a bola a fazer desvios. Joga simples e sem merdas. Como o seu pontapé na Luz. O capitão abateu o polvo quando o polvo já fugia. E quando já nenhum de nós acreditava.

A experiência não abundava no convés quando içámos as primeiras velas e navegamos os primeiros mares. Mas havia Iker, uma lenda do Atlântico que fez história e depois tornou-se a própria História. Entre nós, havia quem lhe chamasse santo. Talvez porque Iker era a forma mais aproximada que tínhamos de tocar o céu e pedir intervenção divina quando a barca ameaçava ceder. E a verdade é que as luvas abençoadas de Iker nunca falharam quando mais precisámos. Quando toda a gente desistia de segurar a nau e assistia impotente à inevitabilidade do destino que Iker se encarregava de desmentir. Como naquele paradón no Dragão, contra o Sporting, em que Montero tinha mil formas de nos desfazer e Iker apenas uma de nos salvar. E hoje aqui estamos, vivos, graças ao santo que largou o conforto do Éden para se aventurar connosco neste cemitério andante.

A convicção de Brahimi é algo que dificilmente esquecerei. Foi, desde cedo, o que mais queria vencer. Atravessou connosco um deserto de títulos e ideias e, tal como nós, também chegou a morrer na praia antes de tentar uma última vez. Ele sabia que esta seria a última vez. Quando o polvo atacou na Feira, Brahimi subiu mais alto e viu no horizonte a vitória final. É um navegador louco. Desatou os nós mais intrincados e brindou-nos com as manobras mais elegantes que vamos ver em muito tempo. Consola-me saber que poderei revisitar a sua magistralidade individual, finalmente apurada para o colectivo, e a sintonia cega com Alex Telles, criando a bombordo uma orquestra de luxo que vai continuar a ecoar por muitos anos.

E tudo isto aconteceu porque encontrámos a peça que faltava para redimir o conjunto. Sérgio Conceição, o homem do leme, a quem tentaram prender, impor uma fé. É fundamental ser bom estratega para vencer uma batalha. Mas não é possível vencer uma guerra sem coragem nem inteligência emocional. Conceição teve tudo isto, nos momentos certos. Tentou, errou, aprendeu, acertou. Foi humilde. Contrariou os profetas da raiva. Geriu o descontrolo e a adversidade com um brilhantismo incrível. Mas o que mais admirei nesta viagem foi a forma como Conceição adaptou o barco aos homens, quando toda a gente faria o contrário, invertendo a lógica dominante e arriscando uma ideia audacioso mas francamente lúcida. Só hoje sinto o aroma a terra ensopada ao comandante agradeço. Fomos gigantes no mar da Galileia.

Mas não há dias perfeitos. O polvo feriu mas não morreu. Já refeito, começo a caminhar em direcção às primeiras cabanas da praia, onde espero encontrar um lugar para comer e dormir. Enquanto caminho, penso no que fica por fazer. Naturalmente insatisfeito, porque é só um título nacional. Ser portista fez-me assim.

The Storm on the Sea of Galilee | 1633, Rembrandt