terça-feira, 16 de janeiro de 2018

Desconstruindo mitos

O ruído que o inacabado Estoril x FC Porto da 18ª jornada tem provocado está a gerar mais brechas na interpretação dos factos do que as que cobrem o António Coimbra da Mota. Vamos ao que interessa.

O jogo não chegou ao fim. A partida foi suspensa ao intervalo devido ao risco de colapso de uma das bancadas do Estádio António Coimbra da Mota, construída há menos de três anos. Só o sangue frio e o bom senso dos adeptos portistas e a intervenção célere e coordenada das autoridades evitou que a noite de ontem se transformasse num dia de luto para o desporto nacional. Isso mesmo foi atestado pelo comandante da Proteção Civil Municipal de Cascais, Pedro Araújo. Ou em alternativa, pelo insuspeito do costume.


Há quatro parcelas fundamentais nesta equação.

1. A SAD do Estoril admitiu, em comunicado, que a estrutura da bancada sofreu um "abatimento", violando assim as regras de segurança. Antes, já tinha admitido que aquele setor tinha sofrido manutenção a poucas horas do jogo.

2. O já citado comandante Pedro Araújo, em análise preliminar, descartou a hipótese que muitos queriam colar: a influência do sismo de Arraiolos, atribuindo implicitamente a responsabilidade ao clube e/ou à empreitada da obra.

3. O Regulamento de Disciplina da Liga prevê sanção de derrota caso a falta de condições necessárias para a realização de um jogo seja da responsabilidade do clube.

4. Apurar responsabilidades através da peritagem e do inquérito. Se a falta de segurança for imputada ao Estoril, o artigo 94.º é claro. Se não for, siga para bingo.


Numa primeira instância, o FC Porto terá recusado, e bem, acertar com a Liga e com o Estoril nova data para o jogo dentro das 30 horas seguintes. A alínea d) do artigo 46.º do Regulamento das Competições organizadas pela LPFP refere que caso não estejam satisfeitas as condições de segurança adequadas para prosseguir o jogo dentro do prazo definido pelo enquadramento legal, a partida é remarcada dentro das quatro semanas seguintes (cumprindo o disposto no ponto 4. do artigo 42.º).


Ora, o FC Porto estará prestes a anunciar que chegou a acordo com o Estoril para jogar a segunda parte a 21 de Fevereiro, entre a recepção ao Rio Ave (21) e a deslocação a Portimão (25). A minha teoria é de que o acordo não é vinculativo, isto é, não impede que o FC Porto abdique de lutar pelo cumprimento do regulamento, se for caso disso. O Departamento Jurídico do clube já estará certamente a apreciar o caso, porque acredito que a mesma estrutura que nos projetou para o mundo não ficou subitamente amadora na defesa dos nossos interesses.

Contudo, enquanto não for concluída a investigação - e imputadas responsabilidades - a invocação do artigo 94.º fica congelada. Por isso, a remarcação do resto do jogo é um passo urgente. Se o parecer final do inquérito for desfavorável ao FC Porto, o jogo terá de ser retomado e quanto mais cedo isso estiver definido, melhor. Se for favorável, o FC Porto ganha os três pontos na secretaria. Simples. Seria muito mas muito mais polémico completar a segunda parte hoje ou amanhã. Pois se o FC Porto perdesse em campo e acabasse por vencer na secretaria, a única derrotada seria a já empalidecida imagem da Liga.

Não trago para esta conversa as descabidas teorias da conspiração que proliferaram entre ontem e hoje. A lama pertence à lama. No dia em que o FC Porto salvar o país, o FC Porto será acusado de ter salvo o país. Mas há um aspeto muito mais fundamental do que os três pontos em causa. A segurança dos que sustentam o futebol português: os adeptos. É crucial que o FC Porto lute até à exaustão pelo cumprimento da lei, para fazer disto uma wake up call abençoada e garantir um futuro mais saudável para a competição. Por um futebol sem medo, pela devolução da confiança aos adeptos, legitimamente descrentes num sistema incompetente que manda uma multidão regressar a uma bancada à beira da derrocada.

Desportivamente, tenho uma recomendação para Sérgio Conceição e para os jogadores. Mentalizem o jogo de ontem como uma derrota virtual. Aceitem o facto de termos caído para o segundo lugar e lutem como se tivessem de correr atrás da liderança. Se isso acontecer, tenho a convicção de que o hipotético jogo de Fevereiro será apenas um bónus onde podemos ganhar um ou três pontos extra.

2 comentários :

Comenta com respeito e juízo. Como se estivesses a falar com a tua avó na véspera de Natal.