domingo, 13 de setembro de 2015

FCA 1 x 3 FC Porto: É duas Coronas e um pires de camarão-tigre, ó sôr André

Sejamos honestos. Não há maior hipocrisia no léxico do futebol português do que aquele clássico chavão do: "só pensamos em nós próprios". É uma expressão falaciosa, perigosa até. Primeiro, porque o futebol não é conjunto de ilhas isoladas, mas um sistema encadeado de partidas, eventos e factores que não são independentes e exercem influência entre si. Segundo, porque quem acredita realmente nessa filosofia arrisca-se a ter tanto sucesso na carreira como Luís Campos. Por isso, era fundamental dar uma resposta contundente à goleada do Benfica na véspera, que não só galvanizou o rival na antecâmara de um clássico, como deixou o FC Porto em sentido e obrigado a dar troco no campo anímico. O futebol é um jogo de parada e resposta que vai muito além do relvado, do banco ou da bancada. É preciso ser mais forte a todos os níveis. E seria escusado dispararem aquele outro velho prolóquio do futebolês de que para o adversário "foram só três pontos". Não vale a pena. Todos sabemos que isso não é bem assim. E de lugares-comuns, está o futebol cheio.


Mais, era preciso resistir à pressão avassaladora do Sistema, que ontem voltou a largar-nos um tronco no caminho. João Capela tinha a missão clara de complicar o jogo e descomplicar o campeonato. Cedo mostrou o motivo pelo qual foi eleito para um dos encontros mais delicados da época para o FC Porto: a sua relação com a cartolina. Quase aposto que a cadeira favorita deste rapaz na preparatória era Educação Visual tal é o prazer com que exibe os rectangulozinhos do castigo. Foi cuspir amarelos como se não houvesse amanhã e sempre para o mesmo lado. Até a Cofina manifestou um certo espanto com mais uma capelada com elevada nota artística. 

Respondemos a tudo. E bem. A máquina mostra-se cada vez mais oleada e ontem, num terreno difícil e onde muitos irão certamente cair, a equipa ofereceu alguns lampejos do bom futebol à Porto, com movimentações ofensivas interessantes e várias vezes em alta rotação. Em campos como o de Arouca, não se pede ópera, mas uma sinfonia que funcione. Aconteceu. Algo que só nos pode deixar confiantes para o que vem aí. 

Notas, notas:

MAIS
André André: Ou deverei dizer André André André André? Como vi a partida num casamento, e sob os efeitos naturais de quem está num local com bar aberto, pensei que já estava tão bêbado que via Andrés a triplicar. Mas não, é apenas um que vale por muitos. Primeiro pela polivalência que empresta ao colectivo, sendo aquele gajo que mete logo a mão no ar quando é preciso sacrifício e trabalho forçado. Foi o pêndulo que conectou a tracção de Imbula com a suavidade e elegância de Ruben Neves. Mesmo na esquerda, após a saída do francês, não desapareceu do jogo e ajudou a dar corpo ao miolo, numa altura em que Lopetegui pretendia sobrepovoar o meio-campo para conter o avanço dos homens de Lito. Há muito que o André filho reclamava a titularidade. Quando foi contratado ao Guimarães, depois de tantos vai-não-vai, festejei de punho cerrado no ar. A SAD do FC Porto marcou um golo de belo efeito com o resgate deste pequeno grande jogador.

Corona: Se foi para isso que vieste... então ainda bem. Primeiro jogo, primeira amostra daquilo que podemos esperar deste jovem mexicano com nome de cerveja com tchiripiti. Exibição feliz, na estreia na Liga Portuguesa, a mostrar uma velocidade sensacional e uma inteligência de movimentos admirável para um miúdo de meros 22 anos. Para quem chegou há tão pouco tempo, confesso-me surpreendido com a forma como se deu bem com as manobras atacantes de equipa, parecendo até que tinha feito a pré-época com o restante grupo. Corona tem traço de artista, ao qual lhe junta um poder de fogo invulgar para um extremo e que será certamente a salvação em noite de desinspiração de Aboubakar ou Osvaldo. Além disso, mostra aquilo que Tello ou Varela por vezes parecem não ter: confiança em si próprios.

Rúben Neves: Mais classe do que isto só Michael Caine em Dirty Rotten Scoundrels.
Rúben tem, aos 18 anos, potencial para ser o jogador mais parecido com Paulo Sousa que alguma vez o futebol português teve. Trata a bola com uma sensibilidade impressionante e às vezes dá a impressão que joga de comando de Playstation, tal é a maneira como vê desmarcações que nem num LED de 52 polegadas um tipo descortina e ainda pica o esférico com uma precisão militar assombrosa, que me faz duvidar se aquilo foi chuteira ou L1 + Δ. Falta-lhe poder de choque, verdade. Mas eu com a idade dele nem a luta contra dias de vendaval vencia. Vai a tempo, bem a tempo, de ser um dos melhores da nova geração que alguma vez pass(e)ará nos relvados lusos. Um regalo para gerir com pinças.


MENOS
Brahimi: Um pouco menos intenso do que em jogos anteriores, acabou bem substituído. Tentou muita coisa, mas muita coisa saiu mal, em dia-não para o argelino. Talvez esteja a acusar algum cansaço de ter sido o principal transportador de jogo nas partidas anteriores.

Entrada de Bueno: Fazer entrar um jogador para lhe dar minutos a escassos 180 segundos do fim é o mesmo que dar festas ao porco antes de o matar. Este tipo de prática, que nem beneficia o jogador nem a equipa, só faz sentido quando é necessário somar um "terceiro" central à área ou meter mais avançados para o chuveirinho final. Para dar rodagem, nunca. Esta estratégia fonsequiana não só pressionou ainda mais o jogador como era escusada: o FC Porto já vencia por 0-3 ao 71'. E não foi certamente para estancar defensivamente a equipa que Alberto Bueno pisou o relvado. Uma pequena mancha no registo de Lopetegui, que até teve uma noite de boas decisões e grande leitura táctica do jogo. Quanto ao avançado espanhol, fez tudo impecavelmente bem nos três lances que disputou no curto tempo de exposição que teve para brilhar.


Momento: Minuto 15'. Imbula, André André, Rúben, Corona, Aboubakar, Corona outra vez, golo. Foi provavelmente a jogada colectiva mais bem desenhada do FC Porto esta temporada. Processos simples, passes rápidos e seguros, progressão em bloco, um toque magistral de Aboubakar e a tal inteligência na movimentação de Corona. Belo tento do FC Porto, que acima de tudo, aliviou a equipa e desbastou o trilho para a vitória.


Pormenor: Jesús Corona bisou na estreia pelo FC Porto, igualando um feito com quinze anos. Em 2000/2001, "Pena", também ele outra contratação de última hora do defeso azul-e-branco, precisou apenas de meia-hora para bisar no primeiro jogo com a camisola portista. Pena era um tipo curioso. Embora trapalhão nato, tinha rasgos à Ronaldo, o fenómeno, com a mesma frequência com que passa o cometa Halley. Essa época foi, aliás, um marco de fenómenos. Pena marcou cerca de 30% dos golos (21) que marcou em toda a carreira profissional (65) e o Boavista foi campeão. Outro fun fact: Pena era a alcunha que escondia o mesmo nome que ontem fez história: Renivaldo Pereira de Jesus. No FC Porto, Jesus é um nome abençoado, portanto. Como dizia o outro: 'Tá Engrassade.

A paragem para os jogos das seleções foi menos nefasta do que costumava ser nos últimos anos. A equipa ressurgiu fisicamente mais forte e superou um teste psicológico exigente. A rotatividade resultou e o FC Porto parte para a Ucrânia com a casa limpa.


Antes de receber o Benfica, vamos a Kiev e é nessa partida que os atletas terão de se focar primeiro. Um bom resultado contra os ucranianos será crucial para manter o percurso ascendente da forma.


Porque futebol é sequência e consequência, quer queiramos quer não.

6 comentários :

  1. Muito de acordo, mas divergimos no momento do jogo: para mim foi a entrada do Danilo (mais explicações no sítio do costume :-)

    Abraço portista

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Já lá fui, claro.

      Conseguem-se sempre boas leituras no Do Porto Com Amor.

      Em relação ao momento do jogo, visto que estiveste em Arouca e eu num casamento bem regado a tudo o que é garrafedo, assumo que a minha análise possa estar ligeiramente deturpada ahaha.

      Abraço, Lápis.

      Eliminar
    2. Bem, devo confessar que antes do jogo também marchou muita vitela e rojões devidamente embriagados, pelo que também posso ter visto a menos... ou a mais... :-)

      abraço

      Eliminar
  2. E se.... com duas substituições feitas e sem precisar de fazer mais nenhumas, Lopetegui tiver dito "Beto, conto contigo e vou-te mostrar que conto."?

    Abraço Azul e Branco,

    Jorge Vassalo | Porto Universal

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Não duvido que tenha dado palavras de incentivo ao jogador, Jorge. Isso parece-me claro, caso contrário a substituição ainda faria menos sentido.

      O que quero dizer é que talvez fosse escusado lançá-lo tão tarde, dadas as circunstâncias do jogo (definido ao 71'), e os atletas podem acusar isso. Colocando-me na perspectiva do jogador, porque também joguei à bola e também entrei a três minutos do fim com o jogo resolvido há 20, não palavras motivacionais de treinador que nos evitem de pensar: "se contas agora, porque não contaste um pouco mais cedo?". Pelo menos, aconteceu comigo e com colegas meus.

      É mais por aí que sou contra estas substituições. Mais dez minutos já fariam toda a diferença. Confiança demonstra-se com tempo de jogo, como Lopetegui tem feito com Osvaldo, em exemplo. E Bueno por Corona estava longe de ser uma substituição de risco, do princípio táctico defensivo.

      De resto, ressalvo que Lopetegui esteve muito bem na leitura de jogo e na forma como montou a estratégia para este jogo. O 'menos' está longe de ser para o treinador, mas para a situação em si; não é um erro de monta, mas apenas uma situação que, julgo eu, deve ser evitada no futuro.

      Grande abraço, Jorge.

      Eliminar
    2. No jogo frio, gelado, na arca frigorífica do Dragão, contra o Setúbal, no ano passado, Yacine Brahimi entrou aos 83'. Marcou um golo e sacou um penalty que Danilo marcou ao Zequinha.

      Abraço

      Eliminar

Comenta com respeito e juízo. Como se estivesses a falar com a tua avó na véspera de Natal.