segunda-feira, 1 de outubro de 2018

FC Porto 1 x 0 Tondela | Trive... Nah, uma análise diferente


Vamos fazer uma pequena experiência de laboratório. Analisar o FC Porto x Tondela por eletrólise, separando o jogo jogado com os pés do jogo jogado com a cabeça, isto é, colocar o desempenho prático e o comportamento emocional em pratos diferentes. Pode parecer impossível - na verdade, é - uma vez que nenhuma exibição pode ser vista à lupa sem incorporar todos os factores que entram em campo: a psicologia é um deles. Mas o jogo de sexta-feira tornou-se num tema tão fraturante entre a comunidade portista que a melhor forma que encontro de criar uma linha de raciocínio é separar as águas.

A verdade é que o FC Porto x Tondela, do ponto de vista estatístico e objectivo, foi a segunda melhor exibição desta época, só superada pela terraplanagem ao Chaves. Em termos de produtividade, os portistas lograram os melhores números da época, tanto ofensiva como defensivamente, somando 31 remates (contra os 19 do Chaves), e 9 remates enquadrados (mais 3 do que no jogo contra os flavienses). Por cima disto, o FC Porto terminou o jogo sem permitir qualquer remate enquadrado à equipa de Pepa. A diferença entre o jogo de sexta-feira e o do arranque da Liga foi inevitavelmente a eficácia, que esteve muito abaixo do esperado.


Porquê? É aqui que entra a face oculta da exibição portista. A pressão de passar para a liderança antes de ir à Luz. Uma pressão que começou muito antes da bola rolar e ditou uma pressa constante e muitas vezes inconsequente em chegar ao golo. Um golo que tardava em chegar. O nervosismo inversamente proporcional a cada oportunidade perdida. A incapacidade em conter o incêndio na fase de rescaldo, como quem diz, tranquilizar depois do 1x0. Tudo isto regado com um futebol demasiado frito, cheio de passes erráticos, bolas longas absurdas e decisões imprudentes, em casa, sem um único momento de divórcio entre os adeptos e a equipa, o que torna esse pânico ainda mais inconcebível. Do ponto de vista emocional, foi uma exibição tremida, frustrante de ver e com resquícios do Porto de Nuno Espírito Santo, aquela equipa que só é conhecida por ter sido incapaz de tomar o leme do campeonato.

A franja académica, dos puritanos da tática, do jogo entre linhas e das basculações, teve no FC Porto x Tondela uma partida interessante de dissecar. Já os adeptos do FC Porto, esses umbilicalmente ligados ao coração da equipa, deixaram-se contagiar naturalmente pelo nervosismo dos jogadores. Foi como assistir à Play, de Samuel Beckett, representada por um amador em estreia no National Theatre, em vez da confiança absoluta de Alan Rickman. Claro que mexe com o público.

É esta segunda personalidade que urge matar. É que o FC Porto que na sexta-feira, frente ao Tondela, geriu uma vitória com jogadores a proteger a bola junto à bandeirola é o mesmo - e é treinado pelo mesmo - que o ano passado perdeu a liderança à 26ª jornada para a ir resgatar a casa do rival à 30ª. Mais do que a qualidade das exibições, a fibra mental que nos fez campeões ainda não apareceu este ano. E é isso que transforma um jogo com sentido único numa exibição meh.

Por último, Sérgio Conceição. Não há nada que não tenha sido escrito sobre o assunto nos últimos dias, pelo que não resta muito a acrescentar. O comentário de Conceição foi francamente infeliz, o alvo ainda mais, mas obviamente que o técnico não pretende abrir uma frente de conflito entre staff e adeptos. The way I see it, foi só mais uma forma de blindar o grupo da pressão interna, uma arrogância estratégica, de quem quer chamar a si o foco para que ele não abrase (ainda mais) os jogadores. Por outro lado, é a realidade do resultadismo a que uma boa porção do futebol moderno aderiu. Sérgio Conceição é um deles. Um crente no paradigma resultadista e pragmatista do futebol: do correbol, do jogar - bem ou mal - para ganhar, da escola do meio a zero, do 1-0 é melhor do que 4-3, do o-caminho-mais-curto-para-o-golo-é-o-mais-directo. Não seria a minha filosofia mas é aquela em que ele acredita. E ele é que foi campeão nacional.

1 comentário :

  1. Excelente texto. Apenas um pormenor que me parece importante, o comentário do SC não foi dirigido a todos os adeptos mas sim para aqueles que, nas redes e comunicação social, diziam que o modelo futebolístico tinha terminado, exigiam a entrada do Óliver como se fosse o Messias e pasme-se a saída do SC. Atingiu-se um limite no que se disse e da forma como se disse, que originou uma reacção também ela extemporânea do SC.

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