Bem-vindos ao planeta do futebol. São 23h43 e ainda estou na esquadra à espera de ser atendido. Viver no Benfiquistão habituou-me a conviver com o roubo, mas não me preparou para o terrorismo. Aos olhos do regime, sou um cidadão problemático, um dissidente de partido clandestino. Aos meus, um anticorpo à procura de justiça num organismo que não funciona. Revejo o momento do crime na minha cabeça, num circuito contínuo de choque e incompreensão. Há em mim, confesso, uma leve vontade de resignação. De sair daqui e entrar na maré. De fingir, como todos fingem. Sou interrompido por um indivíduo alto, autoritário, de bigode farto. Chefe Guerra, consta na lapela da farda encarnada. Convida-me a entrar, estende-me uma cadeira e pede-me para contar o que se passou. Tento recuperar o que a memória me permite, erguer um raciocínio que sustente a denúncia. Mas é impossível explicar o inexplicável. Começo pelo princípio, ciente de que ninguém vai acreditar em mim.
Cheguei ao local do crime pouco antes do primeiro golo, disse-lhe. O ambiente era calmo, dentro da normalidade aparente que um jogo amorfo e longe de ser bonito costuma ter. O golo de Aboubakar não mudou grande coisa. Tudo continuou igual dentro de campo. Brahimi, como habitualmente acontece, partia adversários até acabar ele próprio partido pelos pitóns deles, numa relação desencontrada com o apito do árbitro. Corona, como habitualmente acontece, somava más decisões em barda, numa relação difícil consigo mesmo. Óliver, como habitualmente acontece, via do banco André André produzir um décimo daquilo que o espanhol produz em campo, numa relação estéril com o seu treinador.
Silencioso, o Chefe Guerra amestra uma caneta nos dedos por cima de um bloco de notas ainda sem tinta. Pergunta-me onde está o crime. Descrevo, ao pormenor, o atentado de Fábio Veríssimo contra o FC Porto. A permissividade deliberada perante o massacre constante a Brahimi, um tipo que leva mais pau do que todas as lareiras da Escandinávia juntas. A tendência daltónica de ver amarelo onde é vermelho e vermelho onde é amarelo. A gritante discrepância entre a insígnia que carrega ao peito e aquela que realmente defende. A obscenidade de transformar um lançamento de linha lateral num livre directo. Fábio Veríssimo, remato, foi contratado para sabotar o meu clube.
Nem todos os crimes se fazem apenas de vítimas e vilões, continuei. Este também tem heróis. Descrevo-lhe a bravura de um grupo de jogadores que, mesmo perante a inclinação do campo, soube dobrar a adversidade com inteligência e um enorme auto-controlo. Conto-lhe as recuperações de bola de Óliver, o espírito de sacrifício de Soares, a cabeçada de Felipe, a raça de Brahimi. Conto-lhe sobre a excelência da réplica dada pelo Feirense. Peço-lhe um pouco de justiça por todos os que jogaram futebol naquela noite. O Chefe Guerra ri-se.
Você está preso, diz-me, fechando o bloco ainda por estrear. Na capa, reluz o emblema do regime. Tem alguma coisa a acrescentar?
Vamos ganhar, respondi calmamente.
Silencioso, o Chefe Guerra amestra uma caneta nos dedos por cima de um bloco de notas ainda sem tinta. Pergunta-me onde está o crime. Descrevo, ao pormenor, o atentado de Fábio Veríssimo contra o FC Porto. A permissividade deliberada perante o massacre constante a Brahimi, um tipo que leva mais pau do que todas as lareiras da Escandinávia juntas. A tendência daltónica de ver amarelo onde é vermelho e vermelho onde é amarelo. A gritante discrepância entre a insígnia que carrega ao peito e aquela que realmente defende. A obscenidade de transformar um lançamento de linha lateral num livre directo. Fábio Veríssimo, remato, foi contratado para sabotar o meu clube.
Nem todos os crimes se fazem apenas de vítimas e vilões, continuei. Este também tem heróis. Descrevo-lhe a bravura de um grupo de jogadores que, mesmo perante a inclinação do campo, soube dobrar a adversidade com inteligência e um enorme auto-controlo. Conto-lhe as recuperações de bola de Óliver, o espírito de sacrifício de Soares, a cabeçada de Felipe, a raça de Brahimi. Conto-lhe sobre a excelência da réplica dada pelo Feirense. Peço-lhe um pouco de justiça por todos os que jogaram futebol naquela noite. O Chefe Guerra ri-se.
Você está preso, diz-me, fechando o bloco ainda por estrear. Na capa, reluz o emblema do regime. Tem alguma coisa a acrescentar?
Vamos ganhar, respondi calmamente.
Clap! Clap!
ResponderEliminarMuito bom !
ResponderEliminarBrutal. Parabéns.
ResponderEliminarExcelente!
ResponderEliminarMuuuuito Bom! Gostei...
ResponderEliminarExcelente texto. Queremos mais... Abraço
ResponderEliminarDivino. Vamos ganhar !! They will not control us !!
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