sábado, 5 de setembro de 2015

O euro que faltava

Faz uns anos, a respeito da transferência de Ricardo Quaresma, Pinto da Costa prometeu que, se fosse preciso, punha o euro que faltava.

A promessa ficou por cumprir e o euro acabaria por não sair do porta-moedas do presidente do FC Porto.

Por estes dias, também há promessas e vidas congeladas, viradas do avesso por um terror inenarrável para quem nunca o atravessou.

Os cães de Pawel Kuczynski
Numa altura em que grassa no planeta um problema humanitário grave que urge resolver e o que realmente interessa à maioria dos portugueses é medir o escrúpulo das suas alminhas através do facebook -- esse barómetro clássico da ética nacional --, o FC Porto avançou com uma iniciativa real e objectiva que poderá atenuar a agonia dos milhares de refugiados sírios aportados na periferia da Europa, para os quais o horizonte é um deserto. 

Enquanto a prioridade de uns é dissecar publicamente os níveis de sensibilidade e hipocrisia dos vizinhos virtuais, desdobrando-se numa tempestade perfeita de correntes e contra-correntes que mais não serve do que para inflamar o ego de cada um, o FC Porto apresentou uma solução prática, aproveitando os desequilíbrios grotescos do sistema financeiro global para dar algum contrapeso à balança das desigualdades.

Enfim, o que para os outros é um problema de moral, para o FC Porto é um problema moral.

Por isso, Pinto da Costa decidiu dar o exemplo e informou que o clube vai doar parte das receitas de um dos jogos mais concorridos da temporada aos refugiados sírios, convidando a UEFA e os restantes clubes a seguirem o exemplo.

Se todos os clubes aceitarem a proposta dos dragões, oferecendo um euro por cada bilhete vendido no primeiro jogo como anfitrião, a uma média de 50.000 espetadores por partida, teremos um total de 50.000 euros angariados em 32 partidas. O que perfaz qualquer coisa como 1,6 milhões de euros.

Se ainda assim quisermos ser pessimistas e mesquinhos, como se estivéssemos numa rede social, e fizermos as contas por baixo, assumindo erradamente que um Astana x Galatasaray na 2ª jornada da Liga dos Campeões terá meia-dúzia de gatos pingados nas bancadas, a iniciativa teria ainda assim um potencial mínimo de 1 milhão de euros.

Orgulho.
Para uma impressora de dinheiro, como é o caso da UEFA e da Liga dos Campões, parcos milhões de euros são uma mera picada de insecto na pele da alta roda do futebol europeu, mas um banho vital de oxigénio para os milhões de sírios que tentaram legitimamente sobreviver às barbáries perpetradas no seu país, território que atravessa uma situação onde a emenda é pior do que o soneto.

O FC Porto não diz que quer ajudar. O FC Porto ajuda.

Pode haver maior orgulho em ser Porto?

Por aqui, ainda há quem não transforme o drama em trampolim, nem procure bater recordes estratosféricos de likes ou partilhas. Existem formas mais nobres de crescer. Como esta.

O FC Porto está mais rico dentro de cada portista.

Ontem, Pinto da Costa pôs finalmente o euro que faltava.

3 comentários :

  1. "O FC Porto está mais rico dentro de cada portista.": resumo perfeito da iniciativa

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  2. sim, é verdade: colocou o tal euro que faltava, e fê-lo em nome de cada portista e por cada portista dos quatro costados.

    excelente prosa. mais uma...
    este espaço é como a Tasca do Silva: cada visita, um encanto; emccada partida, a esperança de que a próxima prosa não tarde muito.

    Parabéns!

    abr@ço
    Miguel | Tomo III

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  3. Mais, para a UEFA não será uns milhões a menos. Se tiver em conta o valor de toda a publicidade gratuita que essa iniciativa geraria, serão uns milhões...em caixa!
    Abraco.

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