sábado, 26 de setembro de 2015

MFC 2 x 2 FC Porto: Estranha forma de vida

À hora a que vos escrevo esta análise ainda sinto a alma vazia. Já não são nervos, mas decepção. Tento encontrar a melhor forma de descrever o que aconteceu em Moreira de Cónegos, não consigo. Julgo que o texto de hoje vai acompanhar a mediocridade da equipa de ontem. Mas ao contrário deste FC Porto de Lopetegui não vou andar a dar voltas ao relvado para chegar onde quero. Vou optar por por uma solução mais directa e eficaz de diagnosticar o problema. Precisamente o que os dragões deviam ter feito ontem.

O clássico não mentiu. Os momentos de brilho deste FC Porto escondem sérios problemas. Daqueles que comprometem mais do que apenas um jogo. No Comendador, não é a primeira parte cinzenta ou a falta de criação que preocupa. Estávamos cientes das dificuldades desta partida e só por muita ingenuidade alguém poderia pensar que este jogo se tornaria fácil. O mar de sofrimento era expectável. Até por estar ensanduichado entre dois dos encontros mais importantes da temporada: Benfica e Chelsea. Não, o que faz arrancar cabelo é a alma quebradiça destes jogadores.

O FC Porto 2015/16 tem duas condições do que começam a espoletar imensa comichão nos adeptos: sonolência e tremedeira, sobretudo fora de casa. Mas se a primeira é apanágio deste dragão quando se apanha a vencer e já sucedia, em maior ou menor grau, com outros treinadores ao leme, a segunda é uma novidade aterradora, que só estava habituado a ver noutras paragens. É inconcebível que uma equipa como a nossa, depois de fazer tudo e tudo fazer para chegar finalmente ao 1-2, se tenha diminuído perante um Moreirense. Mas desde quando? De onde herdámos esta súbita ansiedade? Onde pára aquele FC Porto que não deixava fugir vitórias? Perturbador.

A inoperância desta equipa chega a atingir níveis incompreensíveis, sobretudo porque a mesma já nos mostrou que pode fazer bem, mas bem melhor. Isto já não é fado. É culpa própria.


MAIS
André André: Foi dos poucos que foi transportando com sucesso a equipa para a frente. Faltou-lhe Imbula no apoio, uma vez que Herrera passou ao lado do jogo. Inconformado de sangue, André André foi preponderante no assalto ao segundo golo e voltou a vincar, uma vez mais, a importância de ter um jogador de combate no onze. Não sendo criativo nato, André André mostra dificuldades a decidir rápido, sobretudo em espaços curtos e sobrepovoados, como foi ontem a linha média do Moreirense, que plantou quatro homens no meio-campo. Contudo, o jogo do FC Porto tem passado cada vez mais por ele e pelas suas acções transversais em campo. É o pêndulo da equipa, garantidamente.

Maicon da primeira parte: Eficaz a defender e forte no passe longo. Esteve atento, concentrado, sem disparatar e ainda mostrou aos companheiros o segredo para bater aquele que é, sinceramente, um dos guarda-redes mais frágeis da primeira Liga: rematando. Excelente golo de livre directo, que demonstra treino e empenho do jogador em trabalhar esse capítulo. Quase apetece dizer que Maicon é o único que aparece na cadeira de Bolas Paradas, pois foi igualmente de uma cabeçada sua que saiu primeiro lance de perigo através de um canto que o FC Porto produziu em meses.

Casillas: Fez o que podia ter feito. Adiou o que começava a parecer inevitável até onde foi possível. Mas quando um tanque como André Fontes lhe surge, sem marcação e com embalo, apenas dois metros à sua frente, é desonesto pedir-lhe mais. É um redes de craveira mundial e tem-no provado desde que chegou ao FC Porto. Foi um dos que sacudiu males maiores ao FC Porto no clássico e, ontem, pela sua cara depois da partida, deve ter sacudido aquele balneário no final dos 90'. Com razão.

Danilo: Boa presença física e sempre muito disponível no seu raio de acção, foi eficiente na contenção a Gomes e Battaglia, que minaram sempre o seu território e não lhe permitiram grandes incursões no ataque continuado.


MENOS
Herrera: Era capaz de jurar que ouvi Job a gritar com ele ontem. Herrera é exasperante. É fácil perder a paciência com o mexicano. Porque não estamos a falar de um tipo que foi convidado à última da hora para fazer uma perninha no Moreirense x FC Porto. É um profissional de milhões. E para os milhões de que estamos a falar, a forma como erra passes simplicíssimos, falha recepções básicas e demora a executar é inaceitável. Passou uma hora a navegar na maionese, parecendo mais preocupado com a infinitude do universo do que em pressionar o adversário e em não deixar fugir Battaglia. Confesso que antevi isto tudo aos cinco minutos, quando o mexicano desperdiçou um dos centros mais fáceis da sua carreira e que tinha tudo para acabar na cabeça de Osvaldo. Herrera não sabe lidar com os próprios erros. E creio que nunca se libertará disso. Neste momento, é apenas mais um jogador do plantel, o que faz dele um jogador a mais.

Lopetegui: Há uma razão para um plantel ter 25 elementos e não apenas 11. A rotação promovida por Lopetegui era necessária e não me pareceu exagerada. Dada a carga física dos dois jogos que balizavam este encontro, era importante fazer descansar alguns dos jogadores mais expostos ao esforço. Não é por aí. O problema é a incoerência do técnico basco na leitura que aplica ao jogo em partidas diferentes. O mesmo treinador que tirou Varela antes do intervalo contra o Estoril, manteve um Herrera bem pior em campo durante cerca de uma hora. A verticalidade do mexicano é incompatível com espaços demasiado exíguos e pouco terreno para correr. Lopetegui sabia disso. Ainda assim, preteriu de Evandro, Sérgio e até Bueno na convocatória. Depois, voltou a insistir em alterações posicionais que partem a equipa. Nos últimos 180 minutos, o FC Porto apresentou quatro desenhos tácticos diferentes. Colocar a carne toda no assador a vinte minutos do fim deu frutos. Mas este FC Porto está programado para reagir e não para agir, o que por si só é um mau princípio. Pede-se mais, Lope. E tu tens capacidade para isso.

Maicon da segunda parte: A concentração e assertividade do brasileiro ficaram na cabine ao intervalo. O golo de Iuri nasce de uma triangulação do Moreirense só possível pela precipitação de Maicon, que ataca o espaço vazio e convida o avançado português ao sprint. Líder dentro de campo, Maicon deve ser a voz que equipa precisa quando procura tranquilidade e não um exemplo desse mesmo nervosismo. Acabou por se afundar lentamente no mar de mediocridade da equipa e a lesão também não ajudou, forçando-o a fazer os últimos dez minutos em esforço.


Momento: Minuto 84'. Maxi alivia uma bola para as couves. Minto. Devidamente corrigido pelo SilvaAboubakar isola Osvaldo com um belíssimo passe, com o italo-argentino a atirar de pronto para uma baliza deserta, sem Stefanovic. Seria golo se André Micael tivesse desistido do lance. Um pormenor que mudaria tudo. Mas que não explica nada. É eufemismo apontar a culpa do resultado ao triste fado ou à embirração do destino com o FC Porto. Cabia-nos fazer muito mais do que esperar que bolas pingadas na área dessem descanso. Fomos nós quem descansámos após o primeiro golo e nunca mais vivemos descansados depois do segundo. Outro FC Porto, que não este, impediria que o nervo se instalasse na recta final. Mas fomos pequenos precisamente quando urgia que nos agigantássemos. 


Pormenor: Já não consigo perceber se o abalo sísmico de Kelvin aos 92' foi uma benção ou uma maldição. Ou ambas. É que desde essa noite memorável como nenhuma outra, o FC Porto nunca mais voltou a marcar em cima ou para lá dos noventa, oferecendo-nos uma daquelas vitórias que parece ter sido salva de um avião segundos antes deste se despenhar. Daquelas que valem campeonatos. Digo isto porque senti, logo após o 2-2 aos 87', que o resultado estava feito. E ainda me lembro dos tempos em que havia esperança noutro desfecho. Em que sobrava sempre mais um sopro de vida para conquistar a vitória. Este FC Porto reage mal a resultados adversos. E, ontem, até foi alérgico à vantagem.

@


Depois da vitória no clássico, era importante dar continuidade à senda, até porque o este dragão tinha o hábito de cravar as garras na liderança. Não aconteceu e vamos, certamente, cedê-la hoje.


Lopetegui tem muito trabalho pela frente, sobretudo pedagógico. Este plantel do FC Porto possui em potencial o que tem em fragilidade. Se Lopetegui não for cola para unir os cacos, vamos ver o FC Porto perder mais pontos fora de casa. Todos os medos são progressivos. Crescem e diminuem conforme as experiências que vivenciamos com eles. E chegaremos à conclusão que somos o nosso maior receio.

Vamos ter mais de um mês para preparar novo embate contra este recém-criado fantasma. Só voltaremos a sair de casa a 31 de Outubro, na deslocação à Madeira, para defrontar a União. Cabe ao treinador capitalizar esse tempo. É fundamental mostrar-nos a nós próprios que o dragão não é raquítico.

Estranha forma de vida tem este meu FC Porto.

9 comentários :

  1. Brilhante comentário, fantástica análise que subscrevo inteiramente.

    Abraço Azul e Branco,

    Jorge Vassalo | Porto Universal

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  2. É muito isto...

    Viste o comentário que fiz ao publicar o meu post no FB? :-)

    Abraço portista

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    1. (!!) Fui espreitar agora.

      Inevitável. Também foi a primeira coisa de que me lembrei assim que o encontro terminou.

      Espelha bem este FC Porto.

      Forte abraço, Lápis.

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  3. @ drax

    "
    Julgo que o texto de hoje vai acompanhar a mediocridade da equipa de ontem.
    "

    quem nos dera que a nossa equipa do coração te tivesse acompanhado na assertividade, ao invés daqueles rodriguinhos sem fim: teríamos vencido de goleada.

    abr@ço forte
    Miguel | Tomo III

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    1. Trocava já, de olhos fechados.

      Como bem escreveste do teu nobre espaço: mais uma noite para o galheiro.

      Grande abraço, Miguel.

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  4. Nanana, eu percebo que, for the sake of the writer, desse jeito, mas o lance aos 84 não foi nada disso. Na verdade, o ABUMba faz um passe estupendo, correspondido pelo ultimo fôlego do Osvaldo. O danoninho que faltou é a diferença que vai entre a análise acima, e as outras!, e uma standing ovation ao Espanhol. Mas futebol é isso mesmo. Nada contra. O segundo ponta de lança lançado a isolar o que lutou o jogo todo e assim, em parceria, a arrumarem o jogo. Ah magano, que sabes mesmo quando é de meter a carne toda ou escolher o equilíbrio. Sim, sim, notam-se grandes diferenças para o ano passado. Era isto que teria lido...por um danoninho...

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    1. My bad. Fui rever o lance, tens razão. Penitencio-me. Está rectificado. Quando um homem é bem corrigido, só deve agradecer por isso.

      Em minha defesa, não o fiz por conveniência mas por não ter confirmado em vídeo aquilo que a minha memória traiçoeiramente me contou. Pelo menos, tenho ideia de um alívio de Maxi que quase isolou alguém e fiquei com a impressão de que tinha sido esse lance.

      Contudo, recuso-me a explicar tudo isto com o tal factor danoninho. Li a tua crónica, como faço sempre, e acredita que tentei posicionar-me do teu ponto de vista. Pensei que talvez estivesse a ser demasiado duro com a equipa. No entanto, para mim, já são danoninhos a mais. E perfeitamente escusados, diga-se.

      Se tivéssemos ganho manteria o que escrevi sobre Lopetegui, uma vez que isso não perderia validade: Colocar a carne toda no assador a vinte minutos do fim deu frutos. Mas este FC Porto está programado para reagir e não para agir, o que por si só é um mau princípio.

      Não critiquei a decisão de assar a carne toda em si. Critico é incongruências como a de manter um Herrera completamente apático em campo durante tanto tempo, quando já o vimos nem esperar pelo intervalo para tirar um jogador. E, pior, não saber talhar a equipa para segurar mentalmente uma posição de vantagem. O tal complexo acção/reacção.

      Na sexta perdemos duas vezes a vantagem, uma por adormecimento, outra por nervosismo. A segunda é inaceitável contra um Moreirense.

      Grande abraço, Silva.

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    2. Sim, não é aceitável tremer contra o Moreirense, tens razão. Quanto ao lance, eu não achei que tivesses inventado. Aliás, é essa mesmo a questão. Parece que a malta fica com uma sensação pior do que a realidade. Parece que aquele passe foi um chutao de desespero, por acaso... Somos melhores do que parecemos :)
      Abraco

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