terça-feira, 3 de dezembro de 2019

A queda de Rangel


O juiz desembargador Rui Rangel foi expulso da magistratura pelo órgão que a regula e supervisiona, o Conselho Superior de Magistratura (CSM), por suspeita de tráfico de influências.

Why do we care?

É talvez a primeira vez na história da magistratura que um juiz da Relação é expulso da actividade. E importa dizer que já houve juízes relativamente high profile condenados por outros delitos, que acabaram por ter sido castigados com nada mais que multas ou suspensões por parte do CSM. O CSM não gosta de ruído, por isso evita-o. Podia ter optado pela solução "diplomática" para os casos mais graves, a aposentação compulsiva, mas decidiu castigar Rangel com a humilhação máxima: a demissão. Esta pena é portanto invulgar, sobretudo se pensarmos que surge numa altura em que a Operação Lex ainda está na fase de inquérito, ou seja, muito longe da sentença final.

Meaning...

A decisão é contundente e assinada por um conjunto de árbitros muito bem informados sobre a Operação Lex. A expulsão nunca seria equacionada se os elementos do processo a que o colectivo teve acesso não fossem sólidos. Isto significa que pode haver um caso forte contra os arguidos do processo e, eventualmente, condenações.

Yeah, but... wtf is "Operação Lex"? 

Em linhas gerais, a Operação Lex envolve a suspeita de tráfico de influências entre a justiça e o mundo empresarial, sobretudo empresários ligados ao futebol, onde Rui Rangel é suspeito de vender decisões judiciais a troco de dinheiro e favores. O juiz é também suspeito de exercer influência em processos de colegas seus em troca de contrapartidas. O processo é um spinoff de outro caso mediático conhecido como Operação Rota do Atlântico e que tinha como figura central o mítico empresário José Veiga.

I'm listening...

A Lex integra um elenco com protagonistas de vários quadrantes, mas é da ponte Rui Rangel/Benfica que cai o amendoim. Rui Rangel é suspeito de ter favorecido Luís Filipe Vieira e o filho, Tiago Vieira, com a promessa de um cargo na estrutura encarnada, um sonho antigo do juiz benfiquista. Em março do ano passado, o Público referiu que o presidente do Benfica "terá alegadamente pago pela influência do juiz na resolução de um processo fiscal que envolvia o filho e estava pendente nos tribunais administrativos e fiscais".

Ahhh, the motherf*

Pois é. Recorde-se que Rui Rangel já foi uma das vozes da oposição a Luis Filipe Vieira, tendo mesmo sido candidato à presidência do clube em 2012. Perdeu. Quatro anos depois disse isto: "Vieira é o grande e incontestável líder do Benfica". Vieira é também um dos arguidos na Operação Lex.

Final thoughts

Esta é uma decisão interessante (e intrigante), que pode virar o jogo jurídico em Portugal. Rangel não tem o mesmo espírito de sacrifício de Paulo Gonçalves e não cairá sozinho. E o seu humilhante afastamento, mesmo antes de ser julgado, demonstra o embaraço que causou dentro de um dos pilares da democracia. É conhecido o protecionismo judicial que recai sobre várias figuras mediáticas, em particular Luís Filipe Vieira. Sabe-se que das investigações que envolvem o Benfica, uma (e-toupeira) já foi convenientemente descolada do clube, e as restantes (vouchers, Mala Ciao, emails) estão em banho-maria. Embora não envolva directamente o Benfica, a Operação Lex pode ser a primeira a levar Luis Filipe Vieira ao banco dos réus e a quebrar o manto que o tem escudado da mão do tribunal nos últimos anos. Não é a salvação da Justiça mas pode ser o primeiro sinal de mudança de rostos no poder oculto.

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