sexta-feira, 1 de setembro de 2017

A bonança imperfeita

Finito. O dia com os minutos mais contados do ano terminou, finalmente. A meia-noite de 31 de agosto, essa espécie reveillon futebolístico, não trouxe novidades de última hora ao FC Porto, o que era expectável. Por outro lado, também não houve raides por nenhuma pedra basilar da equipa. Um dado extremamente positivo, sobretudo no contexto actual.

Não é notícia o facto de o clube estar a passar por uma certa asma financeira, que dificulta a gestão do plantel e embarga os planos para o ciclo desportivo a longo prazo. Por isso, e sem surpresas, o FC Porto fechou o defeso sem qualquer contratação anunciada - além de Vaná.

No capítulo das entradas, o FC Porto perdeu. Perdeu porque tinha de perder. É óbvio que o Dragão procurou boas oportunidades de negócio ou operações financeiras equilibradas para fortalecer a equipa, mas quem se encontra no trapézio, neste momento, é o FC Porto. E a flexibilidade não abunda.

A nau portista sobreviveu ao vendaval do mercado sem rombos no casco. No entanto, continua sem mecanismos de emergência, o que torna qualquer acidente de percurso difícil de reparar. O XI base do FC Porto dispõe de qualidade suficiente para se candidatar ao título nacional, mas o plantel não tem a profundidade necessária para percorrer uma época longa, desgastante, com várias frentes e contra vários adversários. Dentro e fora de campo.

No global, estamos mais fortes, mais mecanizados e mais bem orientados do que no ano passado. Mas temos menos fail-safes.

Definhando a coisa por setores:


Na baliza, sobrevive o síndrome Bolat, que é aquela estranha patologia do FC Porto de comprar um guarda-redes low profile por época para nada. Confesso, quando vi o anúncio da contratação do guarda-redes brasileiro Vaná fiquei ali algures entre o satisfeito e o apreensivo. Satisfeito porque, por um lado, parecia que o FC Porto estava a dar sinais de estar financeiramente vivo e pronto para atacar o mercado. Apreensivo porque esta prática da SAD do FC Porto de coleccionar jogadores da mesma posição, não sendo nova nem exclusiva do nosso clube, é um fetiche que nunca deu grandes frutos, quer do ponto de vista desportivo quer da perspetiva financeira. Não é incomum ver o FC Porto contratar guardiões sombra, alternativas competitivas mas discretas, competentes mas diplomáticas, que saibam aceitar que a condição de partida é o banco. Entendi a contratação de Vaná como o destrancar da porta a José Sá para que o português pudesse ganhar rodagem para o futuro. Mas José Sá não saiu. O que significa que Vaná, que custou €1 milhão, deverá passar os próximos tempos entre a bancada e o sofá. Sobretudo, porque Sá tem uma vantagem assinalável para a restrita lista de inscrições na Liga dos Campeões: é português. Em relação a Fabiano, cumpriu-se o cenário mais provável. A sua presença no plantel é meramente figurativa: quando recuperar da lesão, deverá sair na próxima janela.



O dragão dispõe de três bons centrais e uma dupla que não dá grandes abébias a quem se queira por em bicos de pés. Felipe e Marcano são os zeladores fixos. Reyes estará lá para qualquer eventualidade. E só o pior cenário pode atirar Jorge Fernandes para o lago dos tubarões. Se o FC Porto tinha de cortar por algum lado, este seria um deles. Nas faixas, a permanência de Layún resolve o problema nos dois flancos. Importa saber qual será a disponibilidade psicológica do jogador, que me parece cada vez mais descomprometido do clube. A pior notícia foi a opção de compra com que Rafa foi para Inglaterra. A melhor foi a gripe de Ricardo Pereira. Porque foi apenas isso: uma gripe.


É talvez o que mais me preocupa. Desde logo, porque é o que está mais despido de alternativas directas aos titulares. Leia-se directas, não credíveis. Porque não se discute aqui a qualidade de André André, Herrera ou Sérgio Oliveira. A problemática prende-se com o facto de não existir homens que garantam a mesma estratégia de jogo que Óliver e Danilo fornecem à equipa. Com esta receita, o FC Porto joga de uma forma muito diferente de qualquer outro elenco. O meio-campo Danóli estará exposto a um desgaste absurdo ao longo da temporada, nomeadamente o espanhol, o alvo a abater, para quem uma visita ao estaleiro é mais certa do que Eliseu pisar alguém no próximo jogo. Por outro lado, esta é também uma oportunidade para quem cá ficou preso ao acaso. Moreto Cassamá ou Fede Varela estão à espreita.



Haveria coisa mais natural que integrar Alberto Bueno neste FC Porto? Um jogador cuja melhor fase da carreira foi precisamente num esquema de dois avançados? Se Sérgio Conceição conseguir, e Bueno quiser, o espanhol pode assentar que nem uma luva no plantel e ser mais do que uma mera ferramenta de recurso da equipa. Este ano, o segredo deste grupo passa - e muito - pelas segundas vidas de muitos jogadores proscritos. Reyes, Marega e Aboubakar são exemplos a seguir. Acima de tudo, porque o exemplo partiu deles próprios. Tem a palavra Alberto. Se Aboubakar, Soares, Marega e Bueno garantem profundidade ao centro, o mesmo não se pode dizer dos corredores. Brahimi e Corona são de outro campeonato. Otávio tem dias e Hernâni tem velocidade. E é só. O FC Porto não está apenas sem alternativas ao argelino e ao mexicano, também está dependente da forma - sempre volátil - de ambos.

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No que diz respeito a entradas, o FC Porto não tem grande história para contar. Do lado das saídas, o saldo é positivo. E não estou a falar apenas de números. O FC Porto encaixou cerca de EUR70 milhões com a venda de cinco jogadores, sendo que somente um deles era titular regular em 2016/17. A venda de Ruben Neves é a que menos anima, tanto emocional como desportivamente, porque o médio tinha no modelo actual as condições certas para evidenciar as suas qualidades. Era o jogador mais apto para render Óliver ou Danilo. Deixando a futurologia para Nhagas e Zandingas, tenho a convicção de que Rúben Neves seria o 12º jogador do FC Porto de Sérgio Conceição.

Luís Gonçalves fez um trabalho excecional no alívio da folha salarial. O FC Porto desligou-se em definitivo de Josué, Abdoulaye, Ángel, Tiago Rodrigues e Sami, colocou Zé Manel, Boly e até Adrián López e ainda embolsou €300 mil com o empréstimo de Mikel. Não me recordo, nos últimos anos, de uma dieta tão rigorosa e eficiente. Urgia limpar todo este colesterol e, em grande medida, isso foi conseguido.

Nota final para os empréstimos de João Carlos Teixeira e Rui Pedro. Nada contra, até porque compreendo a necessidade de dar quilómetros e maturidade aos dois. Só não concebo os destinos: Braga e Boavista, dois emblemas que têm sido o espelho do antiportismo na região norte nos últimos anos. Há alianças bem mais nocivas do que certos antagonismos.

2 comentários :

Comenta com respeito e juízo. Como se estivesses a falar com a tua avó na véspera de Natal.