quinta-feira, 24 de setembro de 2015

Armadura sem carimbo

A camisola 2015/2016 do FC Porto continua de proa vazia.

Atípico, sobretudo para uma modalidade onde tudo é cada vez mais comercializável. Mas não propriamente preocupante.

A falta de patrocínio é, para já, mais problemático para quem quer patrocinar do que para quem quer ser patrocinado.

Do ponto de vista do clube, já se cumpriu uma boa parte do orçamento através dos proveitos operacionais obtidos na época passada, para os quais contribuiu a excelente prestação global da equipa na Liga dos Campeões, aos quais se junta o recorde de receitas com vendas de jogadores, que só em 2015 ultrapassaram a barreira dos 100 milhões.

Do ponto de vista de um patrocinador, já se perdeu uma oportunidade de exposição na maior montra mediática do futebol mundial -- jogo da Champions -- e há obuses de marketing como Iker Casillas ou Dani Osvaldo para disparar.

O tempo corre a favor dos dragões. Disse-o, há uns tempos, nesta análise do Porto Universal ao assunto: se o FC Porto, coleccionador de títulos e recordista de presenças na liga milionária não fosse um fruto apetecível às marcas, o que seria?

Reconheço que, quando vejo esta turma entrar em campo sem carimbo na armadura, não escondo uma certa satisfação por isso. A camisola imaculada do ferrete corporativo agrada-me. Vê-los passear aquele tecido puramente azul-e-branco no relvado é uma quase homenagem à memória de outras décadas.

No entanto, sponsor é um palavrão necessário para a tesouraria. Mais dia menos dia, aparecerá.


Sendo o segredo a alma do negócio, o nome do próximo patrocinador vai permanecer na sombra até o FC Porto alcançar um acordo com um novo parceiro. Enquanto isso não acontece, interessa fazer o balanço da situação, formulando as extrapolações possíveis. Isto para clarificar também alguns pontos que, noto, têm levantado certas interrogações na assembleia virtual portista.

Um alerta. Não visa este post especular sobre nada em concreto, até porque o Do Calcanhar à Trivela está longe de ser um fontanário. O objectivo é somente enquadrar os rumores actuais nos factos existentes. Para o exercício que se segue, juntei os retalhos mais ou menos fundamentados que se foram dando a conhecer nestas últimas semanas e usei-os para tecer algumas conclusões preliminares.

Vamos a elas:

NOVO BANCO: 
Ou banco "bom" para os amigos. Surge da insolvência e divisão do antigo Banco Espírito Santo em duas partes. Foi um dos primeiros nomes ventilados em alguns círculos, pela ligação umbilical dos clubes portugueses à banca, mas nunca foi -- em boa verdade -- uma opção considerada. Embora seja promovido como a biblioteca de activos saudáveis resultantes da triagem feita à "Salganhada" que ia no BES, o Novo Banco é na verdade um banco de transição, à procura de um comprador que o recapitalize o mais rapidamente possível. A instituição, agora na posse do Banco de Portugal e sustentada pelo Fundo de Resolução, foi alvo de um rebranding instantâneo e barato, que mais não serviu do que para lavar a cara das acções dos anteriores donos. Uma espécie de duche rápido para ficar cheiroso aos antigos clientes e... a novos investidores. Isto leva-nos à Fosun.

FOSUN: 
A hipótese Novo Banco existia, mas não através da marca Novo Banco em si. Ou seja, apenas a venda da instituição ao grupo chinês de investimento Fosun International abriria a possibilidade de o FC Porto ser patrocinado pela nova face de um banco a precisar de projecção para crescer no mercado nacional. Mas essa operação não se concretizou. No início deste mês, a Fosun entrou em conversações com vista à aquisição do Novo Banco, mas o Banco de Portugal considerou a proposta chinesa insuficiente, tendo abortado o negócio. Isto já depois de goradas as negociações com a Anbang, outro conglomerado chinês, também por falta de acordo entre regulador e candidato. Ora, a Fosun tem-se mostrado extremamente agressivo no mercado ocidental e já anunciou a intenção de ingressar em vários sectores do mercado além da banca. Por norma, a Fosun não perde muito tempo com partos difíceis. Para já, parece ter desistido da banca portuguesa. Além disso, o Banco de Portugal já anunciou que só retomará o processo de venda do Novo Banco a partir de 2016. Por isso, e pelo estado do restante sector bancário em Portugal, dificilmente o próximo patrocinador do FC Porto será uma instituição financeira.

SAMSUNG: 
A gigante tecnológica sul-coreana já é um dos principais parceiros do FC Porto. Tem uma série de parcerias com o clube e vai aparecendo cada vez mais destacada nos eventos dos dragões. No último clássico, aproveitou o palco do Dragão para estrear uma tecnologia pioneira de transmissão dos jogos de futebol em realidade virtual. A própria marca parece estar a estreitar laços com a cidade, tendo reforçado a aposta no Grande Porto com a abertura de duas novas lojas em Maio deste ano. Curiosamente, foi no mais circunscrito circuito das redes sociais portistas que o rumor ganhou força, tendo sido inclusive suportado por alguns dos gurus do insidismo. Vale o que vale. O facto é que a relação entre a Samsung e o FC Porto está a crescer e a empresa sul-coreana está no meio de uma frenética space race contra a californiana Apple pela hegemonia do sector dos smartphones, apostando em força na publicidade. Iker Casillas, por exemplo, foi uma das caras da Samsung nos últimos anos. Nota ainda para uma outra situação que pode ser determinante neste cenário. A Samsung terminou este ano o milionário contrato de sponsorship que a ligava ao Chelsea (ao qual pagava cerca de €21 milhões por temporada), agora apadrinhado pela Yokohama. Perdeu o big fish publicitário e principal bandeira desportiva da marca dos últimos anos, mas ficou mais financeiramente mais disponível para investir. Um último dado, talvez menos perceptível mas relativamente importante: a proximidade estética entre as marcas FC Porto e Samsung. Ambas têm no azul um símbolo, o que facilita desde logo o matrimónio de cores na t-shirt principal. Pormenores que não decidem, mas pesam.

QATAR AIRWAYS: 
As companhias aéreas do Golfo Pérsico quebraram a barreira do som no mercado do futebol e contagiam cada vez mais camisolas dos grandes emblemas europeus. Um dia destes, as meias-finais da Liga dos Campeões vão parecer uma feira de transportadoras de luxo. Depois de a Fly Emirates se ter associado ao Benfica, a Qatar Airways foi apontada ao Sporting. O que faz sentido. A empresa catari vai abrir este ano a primeira rota directa para Lisboa. E ao contrário do que diz a hashtag, o Sporting continua a ser de Lisboa. Assumindo que o interesse fosse real, a saída do clube da Champions poderá ter comprometido o negócio. Ainda sem presença efectiva em território nacional, é sobretudo projecção internacional que esta corporação pretende no imediato. Não estou a ver a Qatar Airways preocupada em deixar pegada em Tondela ou Moreira de Cónegos, sem desprimor. Ontem, alguns burburinhos viraram a agulha da empresa para o FC Porto. É certo que a nossa dimensão internacional é incomparavelmente maior do que o valor que nos dão cá dentro. O FC Porto vende melhor lá fora, sobretudo nos países da América Latina (em particular a Colômbia) e agora no México. Mas, a menos que a estratégia da Qatar Airways seja apenas capitalizar essa amplitude transcontinental do clube e a presença regular na prova milionária, não vejo onde cabe essa uma eventual união entre as duas partes. E, para isso, já existe o Barcelona. Doha/Porto parece-me, por ora, uma ligação ainda longe de acontecer.

BUZZTRADE: 
Este é provavelmente o buzz mais bizzarro deles todos. Perdoem-me a aliteração. A Buzztrade.com apresenta-se como uma plataforma de transacção de produtos financeiros de risco aparentemente normal. Logo na página principal, escarrapacha uma imagem do FC Porto 2015/2016, ao mesmo tempo que se anuncia como parceira oficial do clube. Eu, que até trabalho numa área relacionada com mercados cambiais, nunca vi a Buzztrade mais gorda. Ainda tentei pesquisar sobre ela no google, mas o domínio parece ainda nem estar indexado ao motor de busca. Uma rápida consulta ao About do site permite-nos saber que se trata de uma corretora cipriota, fundada este ano, filial de uma tal de YTFTrade Ltd, outra corretora sediada no Chipre. Aposto que a casa-mãe destas empresas se chama AZVKzxbs%&-xLttY ou algo do género. Confesso, não tive paciência para continuar a escavar mais, senão ainda acabaria na Deep Web. A presença social da Buzztrade é quase nula: facebook com pouco menos de um mês e um twitter onde segue apenas uma conta, a do FC Porto. Tentei falar com a assistência técnica, mas não obtive resposta. Descobri, em alguns fóruns portistas, quem aparentemente tenha conseguido e sabido que a empresa não confirma se será a estampa da camisola do clube este ano, mas que haverá uma conferência de imprensa a anunciar a parceria na próxima semana. Odd. Opaco e pouco esclarecedor. No entanto, não me surpreenderia se isso acontecesse. As corretoras parecem estar a dar os primeiros passos neste mercado e há cada vez mais pessoas a negociar instrumentos financeiros de risco. É um pouco como o fenómeno das apostas. A título de exemplo, o Atlético de Madrid é patrocinado por uma outra corretora, essa bem mais renomada, a Plus500. É provável que exista de facto uma parceria da Buzztrade com o FC Porto na forja, mas tenho dúvidas de que seja este o nosso novo patrocinador principal, quanto mais não seja pela parca dimensão da plataforma.

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É possível que me tenha escapado algum rumor, mas assim de cabeça -- e de pesquisa, porque faço sempre o meu trabalho de casa -- penso que estejam aí compilados os mais consistentes até ao momento.

Em jeito de balanço final, e sem grandes prognósticos sobre tão delicada matéria, assumo que não tenho preferência, nem previsões sólidas sobre qual será o próximo patrocinador do FC Porto. Interessa-me, no geral, o que interessa ao grosso dos adeptos portistas: que seja apenas um negócio vantajoso e benéfico para o clube.

Se me perguntarem qual destes não será o próximo patrocinador do FC Porto, arrisco dizer com algum grau de certeza que a Fosun está descartada. Assim como, pelas razões já mencionadas, o Novo Banco. A linha dos factos joga a favor da Samsung. Mas podemos andar todos a bater ao lado, bem ao lado.

Afinal, o FC Porto nunca foi apenas emblema de títulos. É também um clube de grandes surpresas.

12 comentários :

  1. O valor do sponsor da camisola (o que pedimos por ela, entenda-se) é relevante obviamente, mas não representa mais do que uma percentagem de um dígito no total do orçamento.

    Este ano optou-se por não vender em saldo, porque o orçamento estava já garantido com as vendas.

    Eu acho muito bem. Mas não deixa de revelar alguma inoperância, conjugada com a tal paciência.

    Sobre candidatos, a única "certeza" é que não deverá ser português, porque os valores que estaremos a pedir estão fora do alcance de quase todas as empresas nacionais.

    Mas não pode (deve) passar da próxima época, porque então o problema poderia colocar-se em sermos nós que estaríamos a pedir "fora do mercado".

    Até lá, é usufruir da camisola assim tão pura, ao natural (na frente, claro)


    Abraço portista
    http://doportocomamor.blogspot.pt/

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    1. Também penso que sim, sobretudo porque a marca FC Porto é mais forte lá fora do que cá dentro.

      Dado o estado do tecido empresarial português, não há mesmo quem possa (ou queira) pagar valores que se compadeçam com a realidade do nosso orçamento.

      Eu tenho a convicção de que o FC Porto quis/quer optimizar o efeito Casillas e está negociar com isso também. A SAD pretende capitalizar os valores, o que se entende, face ao contrato que o Benfica obteve. Além disso, é uma boa oportunidade de o fazer, dado o nível mediático que este plantel comporta.

      Enquanto não for cravado o autocolante, vamos aproveitando o desfile desta beleza rara, que personifica um Porto tão moderno e tão vintage ao mesmo tempo.

      Abraço, Lápis.

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    2. Atenção que o contrato do SLB é mais poeira para os olhos, disse-me quem diz que sabe de fonte segura...

      É inegável que é um patrocinador prestigiante, mas as contrapartidas financeiras (desconheço outras que possam existir) não alegram ninguém.

      Mas o circo tinha que vir à cidade, naturalmente...

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  2. «
    Este ano optou-se por não vender em saldo, porque o orçamento estava já garantido com as vendas. Eu acho muito bem. Mas não deixa de revelar alguma inoperância, conjugada com a tal paciência.
    »

    acho que, enquanto adeptos, só podemos mesmo conjecturar e/ou aventar suposições e/ou, pois que não possuímos dados que afiram dessa situação - a não ser que tenhamos conhecimentos, ao mais alto nível (i.e., dentro da Estrutura), que nos permitam afirmar tal e com plena convicção.

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    1. Precisamente, Miguel.

      Preferi fazer a análise ao estado actual dos candidatos badalados, e não ao estado actual das negociações em si, porque o primeiro é de domínio público e o segundo é de domínio privado, do qual nada sei.

      O FC Porto tem conseguido manter isto bem blindado, caso contrário já saberíamos uma parte do real da situação -- a incompetência também é notícia. Se o clube entrar em desespero nessa matéria, vamos certamente sabê-lo pelos canais habituais.

      Julgo que o processo corre em boas águas, mas sempre dependente de nuances que mudam de uma hora para a outra. O mercado é assim mesmo. Só mesmo a SAD sabe o que está a escrever neste capítulo e se há demora é porque existem razões estratégicas para isso.

      O que se pode fazer é olhar para a panorâmica: a banca foi amplamente veiculada nos media. Mas a banca está de rastos. Há bancos estrangeiros (Barclays, BBVA) a deixarem o país por algum motivo. E a venda do Novo Banco não avançou. Nestas coisas, 1+1 são sempre 2.

      Sobra o resto. Se jogasse no Totobola, metia 2 euros na Samsung, apenas só pela lógica da factualidade.

      Como referi, ainda vamos ficar todos surpreendidos no final. Na volta, o próximo patrocinador do FC Porto vai acabar por ser a Tasca do Silva!

      Ahah, Forte abraço!

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  3. Boa noite Drax...

    Antes de mais, parabéns pelo blog, com excelentes conteúdos e um design "apetecível" :)

    Espero que esta tua caminhada na blugosfera seja emocionante e divertida...

    Em relação ao patrocínio é de estranhar, devido a estarmos a falar do nosso Porto. Não é normal o nosso clube deixar andar tanto.

    Mas por outro lado, este tempo de espera pode significar uma bomba das boas....

    Não estou preocupado e vou fazer como tu. Desfrutar das lindas cores e design no nosso equipamento e confiar em quem nos lidera....

    Um abraço amigo e a melhor das sortes...

    Assinatura: Dragão

    http://dragaoeaguia.blogspot.pt/

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    1. Nem mais, meu caro.

      Muito obrigado pelas palavras e pelo incentivo, dragão.

      Forte abraço para ti e muita força para o vosso projecto.

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  4. gosto particular em todo este processo: digam lá que não é lindo o nosso manto sagrado totalmente limpo? ainda me recordo da polémica em torno das "chapas" da 'meo', na última época da 'Nike' como nosso patrocinador...

    abr@ços a todos
    Miguel | Tomo III

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    1. Sem dúvida. Um quadro numa parede. Já comprei a minha porque é assim que mais gosto dela.

      Abraço, Miguel.

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  5. Eu também gosto de ver a nossa camisola limpa. Mas entendo que seja necessária a colocação dum nome patrocinador. E concordo com as análises, pois o F C Porto é muito grande e a atual equipa do Cassillas é que dará importância à firma que quiser pagar para isso. Quem sabe se essa notícia não estará para ser lançada por ocasião de mais um aniversário do clube? Isto em suposição minha...
    Armando Pinto
    Memória Portista

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    1. Esta camisola está mesmo qualquer coisa, caro Armando.

      Forte abraço.

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