terça-feira, 5 de agosto de 2025

O meu capitão partiu

Foram necessários cinco anos para reabrir a porta do sótão e tirar a poeira ao blog. Não o faço por ter recuperado a súbita vontade de escrever mas porque preciso de um espaço de catarse, que o X não permite.

Vou entrar, fazer o que tenho a fazer e sair. Deixar que pelo menos o último post deste canto fique povoado por um ídolo, em vez de uma aberração. Escrever um conjunto de tweets higienizados numa thread era até um insulto a um homem que viveu a carreira desportiva da forma mais despretensiosa e sanguínea que existia.

Jorge Costa era sangue. Um dos nomes que mais me fez viver o FC Porto da forma que ele deve ser vivido.

Os traumas marcam. Ainda me lembro, como se fosse hoje, do dia em que perdemos o hexa. Estava em casa de uns tios do Sporting, que aguardavam serenamente pelo fim do jogo no Vidal Pinheiro para poderem ver aquilo que não viam há 18 anos. Eu estava lá porque os meus pais, também do Sporting, também estavam e eu era demasiado pequeno para ficar em casa sozinho.

Por isso, arrastaram-me para aquela festividade coletiva programada, na qual eu era um corpo estranho, porque em 2000 já tinha o meu portismo bastante moldado e entranhado.

Eu lá no fundo, tal como o Bicho, ainda acreditava que o Salgueiros cometesse um pequeno delito e o FC Porto, em Barcelos, me fizesse chegar ao tão desejado hexa. Mas não aconteceu.

E apesar da tenra idade e de eu ser um miúdo que já vivia o futebol de barriga cheia, perder o sexto campeonato ao fim de cinco consecutivos meteu-me a chorar copiosamente a um canto da sala, para gáudio da adultagem lagarta que continuava a questionar-se porque raio eu tinha escolhido aquele caminho.

Entre a minha birra e as piadolas que estava a ouvir, lá ia desembaciando a vista com a manga ranhosa e olhando para a televisão, que, na velha glória do sinal aberto, ia transmitindo o final de cada partida em simultâneo. Foi aí que vi o Bicho chorar, tão copiosamente quanto eu, porque no fundo, ele acreditava tanto como uma ingénua criança de 10 anos, que íamos mesmo ser campeões contra todas as probabilidades.

Era assim que o Bicho vivia o seu Porto, na alma, na raça, na irracionalidade, como nós. Foi assim que aprendi a vivê-lo também durante muitos anos.

Naquele dia, lá na casa dos meus tios, estava longe de imaginar que em breve ia ver aquele homem que ali estava de cócoras no chão, liderar um coletivo que daria à minha geração - que não viveu Viena - os momentos mais bonitos do seu portismo com as conquistas de Sevilha e Gelsenkirchen. O homem que queria apenas ficar na história do clube do seu coração, acabou por levar o seu clube do coração a cravar as garras no coração da História. Porque era um homem ingénuo. E só os ingénuos sonham. E sonhar não é pecado nem é proibido.

Hoje cai muito mais que um símbolo. Cai também uma parte tremendamente importante da reabilitação do FC Porto. Após um ano bastante difícil a nível desportivo, André Villas-Boas vê-se agora, sem qualquer aviso prévio, sem o seu braço direito e possivelmente o homem de maior confiança que tinha no clube.

Jorge Costa era lealdade pura à noção de portismo. Discordou de muita gente, treinadores, dirigentes, presidentes e até do Presidente, mas nunca, em momento algum, discordou do Futebol Clube do Porto.

A perda que hoje sofremos é irreparável. Somos um clube que se transcende quando tem feridas abertas mas esta exige tempo e luto. Não adianta transformá-la num pretexto para exigir ainda mais ao clube porque nem sabemos como o plantel vai reagir. É muito provável que o plantel antes de pensar em ganhar por ele, pense em chorar por ele. Isto deixa marcas e estas marcas não se apagam.

Mas haverá um dia em que vamos conseguir enxaguar as lágrimas e ganhar forças para continuar a andar. Manter o rumo que ele ajudou a traçar, em direção ao sucesso, que, mais tarde ou mais cedo, chegará. Um sucesso que também se vai escrever com o sangue do nosso Bicho.

Vou lembrar-me sempre deste berro que movia montanhas. A cores porque neste clube não há fotos a preto e branco e tu és um dos maiores responsáveis por isso. Obrigado por tanto, meu capitão.