terça-feira, 29 de agosto de 2017

Braga 0 x 1 FC Porto | Trivelas & Roscas


Há duas coisas que ninguém deve fazer a um domingo à noite. Jantar feijoada e ver o golo de Corona umas 67 vezes. O primeiro porque é pesado, dá azia e não só. O segundo porque obriga um gajo a ficar de pé até de madrugada, a apreciar cada detalhe da refinada arte do mexicano e a pensar na miríade de coisas que este pontapé pode valer no final da temporada. É que a vitória do FC Porto na Pedreira não vale apenas três pontos. Vale a dobragem de um dos cabos mais tormentosos para os dragões nas últimas temporadas e vale mais uma cauterização dos traumas da equipa, que parece cada vez mais reabilitada para jogar fora de portas sem ter ataques de pânico. A vitória foi curta, mas firme, fechando em beleza o primeiro ciclo da época, onde matámos dois borreguitos com ano e meio (Tondela e Braga) e trabalhámos o suficiente para merecer uma viagem sossegada nos dias de pausa que aí vêm.

Meio-campo orgânico: Braga era um teste de fogo ao miolo reinventado por Sérgio Conceição, onde Danilo assume mais protagonismo à frente e Óliver tem amplitude para iniciar a construção mais atrás. Quer isto dizer que, com o novo treinador, Óliver é menos 8 e Danilo é menos 6, sem deixarem necessariamente de desempenhar os seus papéis-base, sobretudo no momento defensivo. Era interessante testar esta nova dinâmica contra uma equipa mais rija no meio-campo e nada melhor do que a virilidade de Fransérgio e Vukcevic - e depois Danilo Silva - para medir a capacidade do novo motor do FC Porto. Danilo arrancou a sua melhor exibição esta temporada. Mostrou a espaços alguma dificuldade em suster o perímetro, devido à inferioridade numérica no centro do terreno, mas rapidamente acertava o passo, nunca dando muita rédea ao Braga para incomodar Casillas. Já Óliver sofreu o bullying habitual de quem sabe que é ali que mora o supercomputador da equipa. Manteve o bom nível, esgotou cedo.

Corona, o Mexican: Há uma tirada do filme Once Upon a Time in Mexico (Era Uma Vez No México em tuguês) de Robert Rodriguez, onde a personagem interpretada por Johnny Depp (Sheldon) pergunta a Danny Trejo (Cucuy) após um trabalho mal feito: "are you a mexican... or a mexican't?". A piadola assenta que nem uma luva ao nosso Tecatito, que ora é rei no relvado ora tem o rei na barriga. O golo de Corona é fantástico e nem vou cometer a heresia de reproduzi-lo em palavras, o vídeo está lá em baixo. A ação do extremo não se resume, porém, a esse lance. Corona deixou a inconsistência longe da Pedreira e esteve sempre muito activo no ataque e solidário a defender. Sobretudo, quando perdia a bola. A saída precoce do jogo deveu-se à permissividade de Xistra para com a pancada dos bracarenses. Mas nos 45' minutos que esteve em campo, Corona foi mexican.

Laterais: As faixas do FC Porto estão bem entregues. Tanto a defender como a atacar. Alex Telles parece mais apurado nos processos defensivos e Ricardo tem tudo para ser um dos principais municiadores do ataque a equipa - embora ainda tenha de corrigir certos aspectos do posicionamento defensivo. No global, foi mais uma vitória que passou - e muito - pelo trabalho de construção e desconstrução dos dois alas do FC Porto.

Marega: Podem dizer o que quiserem dele. Mas o atual Marega encarna aquilo que eu quero ver num jogador do FC Porto. Raça, resiliência e cara feia. Quem não tem pés, joga com sangue. O polvo precisa de inimigos. Este é um prémio cumulativo para o que Marega tem mostrado no arranque do campeonato, contra todas as expectativas. Não é que o maliano tenha feito um jogaço em Braga, mas tem sido mais útil do que empecilho. Isto para um tipo que chegou a ser debochado em tarjas. O monstro também precisa de amigos.


Meio-campo curto: É orgânico, mas é curto. E quem diz o meio-campo, diz outros sectores. Foco-me especificamente neste porque foi aqui que perdemos mais gás no domingo. André André e, sobretudo Herrera, estancaram o jogo mas não lhe acrescentaram valor. Embora cheguem para segurar uma partida, o português e o mexicano parecem-me insuficientes para constituírem uma alternativa eficaz aos titulares. A época é longa e cheia de incidências. Se o FC Porto perder a veia desbloqueadora de Óliver, não encontra igual no plantel. O mesmo serve para Danilo, da perspectiva defensiva. Curiosamente, o jogador que encaixaria melhor neste novo dinamismo do miolo portista era... Rúben Neves. Não é tão cerebral quanto Óliver nem um tampão como Danilo, mas julgo que seria o único com capacidade de elevar a qualidade de jogo da equipa in media res.

Xistrema: Mais uma voltinha, mais um penalty sonegado ao FC Porto. Mas não é por aí. Esta foi também mais um partida onde tudo foi permitido aos de vermelho, que parece ser o filtro predilecto do futebol português. O Braga tinha uma estratégia de intimidação bem montada, de dar porrada até ao osso, que só seria possível com a cumplicidade de Carlos Xistra. E foi. Mas não é por aí. Irritou-me sobretudo o amarelo mostrado a Ricardo Pereira. Fosse igual o critério usado para ambos os lados, o Braga tinha terminado o jogo com mais amarelos do que táxis em Nova Iorque. Há uma espécie de overcompensation dos árbitros esta época, que parecem fazer de propósito para travar o clube que denunciou a podridão da classe apitadora em Portugal. O polvo está vivo. Mas o FC Porto também. Não será por aí.

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2 comentários :

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