Isto porque o FC Porto perdeu-se no mapa pouco depois do primeiro golo. Não fosse o foguete de sinalização de Maicon e entrada de Herrera -- que ontem foi bússola -- o desnorte poderia ter saído caro. Para um corpo que acaba de sair de sete transplantes, é natural que necessite de tempo para absorver os novos orgãos. Julgo que ninguém poderia esperar uma recuperação rápida sem sobressaltos. Mas é importante que o treinador acelere a afinação de processos e invista sobretudo na articulação da máquina, porque o gongo da pré-época já soou há muito.
Eis as notas:
MAIS
Maxi: O uruguaio conquista os adeptos a cada jogo que faz. Imprime a raça que trazia no catálogo e nem parece que andou oito anos a jogar num clube que tem no ódio ao norte e ao FC Porto o principal combustível. É lateral, médio-ala e extremo. Tudo no mesmo jogo. Há os que são e os que dizem que são. Maxi é claramente dos primeiros. O portista emocional que há em mim vomitou a sua vinda e ganhou três úlceras nervosas quando viu que ia herdar a mítica camisola dois. O portista racional que vive cá dentro dizia-me que era um golpe à Pinto da Costa. Grande contratação, jogador de raça e qualidade, com garantia de rendimento imediato e, ao mesmo tempo, um duro desfalque no rival. Até porque o futebol é um jogo de soma zero: para uns saírem a ganhar, outros têm necessariamente de ficar a perder. Ganhou a razão. Corrijo: Maxi conquistou-me a razão. O respeito e admiração também. O novo número dois do FC Porto tem sido o jogador mais regular deste início de época, com exibições sempre em alta rotação e uma entrega inatacável.Marcano/Maicon: O primeiro porque é certinho como o destino. O segundo porque merece o destaque muito para além do golo que marcou. É que Maicon parece ter regressado este ano com outra precisão na chuteira. Se tivesse de apostar, diria que o brasileiro abdicou das férias em Cancún para tirar um curso intensivo de "Como Meter a Bola Onde Queres" com Rémi Gaillard. Ao cabo de três jogos a sério (+ uns quantos da pré-época), o empirismo já permite uma conclusão firme: Maicon melhorou -- e de que maneira -- o passe longo. As suas charutadas já não são um problema para o sector da restauração do Dolce Vita, mas -- finalmente -- para as defesas adversárias. Continuo a achar que usa e abusa deste recurso, mas pelo menos tem-no feito com qualidade, acertando muito mais do que falha. Depois, claro está: o golo. Mais que não seja, foi a injeção de calmantes de que a equipa precisava e ajudou o FC Porto a acertar o passo. Mais dessas, por favor.
Danilo: Sei que esta escolha não é consensual e talvez o jogo de ontem pedisse mais Rúben e menos Danilo. Mas para quem chegou este ano, com a pesada herança escrita por Casemiro e Fernando, Danilo tem mostrado uma consistência defensiva semelhante a uma tijela de Nestum com seis dias. É muito difícil fazer passar a bola por ele. Não tivesse sido tão prejudicado por um Imbula ainda em adaptação e pela liberdade total com que Brahimi assumiu a função de organizador, talvez tivesse sobressaído mais no encontro de ontem. Contudo, e para mim, Danilo é daqueles que brilha na sombra, sem fazer muito barulho. Precisa de melhorar a saída de bola, um capítulo que se ganhará com rotina, tempo e confiança.
Herrera: Se nos primeiros dois jogos da temporada foi a face da desorientação, ontem foi a bússola que -- juntamente com André André -- deu alguma organização ao caos. Entrou sereno e emprestou o toque de equilíbrio por que a equipa tanto ansiava. Ainda está longe de ser aquele box-to-box pendular que procuramos, mas passou muito por ele a estabilidade da linha média. Ainda semi-marcou um golo após fora-de-jogo que só o fiscal-de-linha viu. Mas era expectável que Duarte & Companhia tentassem intrujar o FC Porto. Aqui, nada de novo.
MENOS
Lopetegui: Antes que me lapidem: o homem fez o que lhe competia em campo. Mexeu bem e os riscos que correu -- tirar Varela a cinco minutos do intervalo por exemplo -- compensaram. Até a escolha de Indi para titular na esquerda foi uma manobra inteligente. O problema está fora das quatro linhas. Estava por explicar se a ausência Cissokho era de ordem física ou técnica. Lope respondeu com um "nim". É certo que Cissokho está longe dos índices físicos desejados, até porque, desde fevereiro deste ano, só tem 180 minutos oficiais nas pernas. Mas, com certeza, não terá sido somente após o jogo com o Marítimo que o treinador descobriu isso. Se não servia para o banco no Dragão, também não servia para o relvado na Madeira. Cissokho errou na ilha. True that. Mas Herrera e Tello também têm errado. Precisamente porque, tal como o francês, também estão fora de forma. Não se pode ter dois pesos e duas medidas no balneário. E se Lopetegui insistir em fazer deste tipo de castigo-exemplo o seu modus operandi, não lhe sobrarão aliados no final do ano.Varela/Tello: O portugês entrou mal, falhou praticamente todos os passes e pareceu sempre demasiado lento quer no raciocínio quer na execução. Jogou 39 minutos, não fez nada digno de registo e foi bem sacrificado. O espanhol prolonga a saga dos duelos perdidos e continua sem conseguir ganhar no 1x1 a um eucalipto. Dá ideia que só tem uma finta no cardápio técnico, assemelhando-se a uma locomotiva cega e desgovernada que espera pelo melhor quando encara uma parede de frente. Este dragão, sem Brahimi, não tem asas. A solução pode passar por Corona, mas convém recordar que o mexicano ainda é um protótipo de jogador. E de promessas está o futebol cheio.
Tribunal: Ter um público apelidado de "Tribunal" não pode ser apenas prosápia, tem de ser acima de tudo responsabilidade. Lamento mas assumo o que vou dizer a seguir: a maioria dos juízes deste tribunal parecem os mesmos dos sumaríssimos do Estado Novo. Se a equipa falha um passe, assobia-se; Se o Brahimi individualiza, assobia-se; se o Imbula perde a bola, assobia-se; se o Marcano veste o colete ao contrário, assobia-se; se o Indi dá um peido, assobia-se. Execrável. Como o Miguel Lima tão bem cunhou, esta "massa assobiativa" tem em resultados como o da Madeira aquilo que semeia. Curto exemplo: se o meu patrão me der uma reprimenda em privado, depois de um erro cometido no emprego, eu absorvo, aceito e tento melhorar. Se o meu patrão me partir a cabeça a cada cinco minutos por tudo e por nada, à frente dos colegas, a minha única vontade é de lhe enfiar um soco no meio dos cornos. Julguem-se a vocês próprios, juízes, e escolham em que pé querem estar.
Momento: Minuto 67'. Maicon diz qualquer coisa a Brahimi. Dá uns seis passos atrás e investe no bicho. Fica a ideia de que Kieszek podia ter feito melhor, mas a bola levava fogo e efeito. A bomba do brasileiro arrefeceu um Estoril atrevido, que criou muitas dores de cabeça ao FC Porto. Mais do que isso, Maicon já reclamava para si esta oportunidade. Tal como nos passes longos, há ali treino visível. No FC Porto, valoriza-se quem corre por fora.
Pormenor: Brahimi a 10 é refresco. Não há no plantel atual ninguém com a capacidade do argelino para desenhar perigo a partir do centro. Mas Brahimi ainda tem n aspectos tácticos por aprimorar na posição e vai precisar de muito tempo -- e jogos -- para se formatar. Isto se Lopetegui mantiver a aposta. Com tudo isto, levanta-se inevitavelmente uma questão. Onde cabe e para que serve Bueno?
Jogo sem sal, mas que vale pela vitória, pelos três pontos e pela chegada ao 1º lugar da Liga, a par de Arouca e talvez Sporting, antes da primeira paragem das competições para selecções a até ao fecho dos mercados europeus.
Aproveitar para reflectir.
A equipa e o tribunal.
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Nota final: Fiquei sem computador, daí o atraso na publicação dos últimos textos. Tentarei resolver a situação com a maior br€vidad€ possível.